sábado, novembro 29, 2008

Duplo perigo

"As previsões económicas revelam-se inúteis, uma vez que avançam com certezas onde não há certeza alguma.

No período conturbado que agora vivemos, os acidentes podem assumir direcções diferentes. A falência imprevisível do Lehman Brothers transformou uma crise financeira que pairava no ar num forte abrandamento quase sistémico. A possível ocorrência de outros acontecimentos imprevisíveis nas próximas semanas e nos próximos meses pode provocar uma depressão deflacionista, um bom inflacionista ou até mesmo um depois do outro.

Num cenário destes, as previsões económicas revelam-se inúteis, uma vez que avançam com certezas onde não há certeza alguma.

Um acidente que podia alterar o curso das coisas seria a falência de um dos grandes construtores automóveis dos EUA. Na semana passada, tivermos alguns sinais de que tal pode vir a acontecer. Isto seria grave naturalmente para a própria indústria norte-americana. Mas podia ser ainda pior para os bancos, principalmente aqueles que estão a braços com ‘swaps’ de incumprimento de crédito (CDS) – provavelmente o produto financeiro mais perigoso alguma vez inventado. Os CDS são produtos seguradores sombra, não regulados e que os investidores compram para se protegerem do incumprimento de títulos das empresas e de títulos soberanos. Um dos contratos mais procurados foi o de protecção contra o incumprimento da General Motors.

O mercado imobiliário é outra bomba relógio potencial. Até há pouco tempo, a maioria dos especialistas em imobiliário previa uma queda de 25 a 30% nos preços do imobiliário. Esta queda voltaria a colocar os preços em linha com a tendência a longo prazo. Mas isto foi antes de o ligeiro abrandamento que se esperava se ter tornado de repente numa grande depressão e de o crédito ter, literalmente, congelado.

Nestas condições, seria de esperar que os preços do imobiliário disparassem 10 a 20 pontos percentuais acima da tendência. Estaríamos a falar assim de uma queda do pico até ao fundo na ordem dos 40 a 50% em média e em termos nominais – e ainda maior em termos reais. E curiosamente não há nada que indique que a recessão possa ser diferente no Reino Unido, na Irlanda ou em Espanha.

Mas as coisas também podem caminhar noutro sentido. Imaginemos que os três grandes fabricantes de automóveis americanos são agraciados com empréstimos do estado. E suponhamos que o mercado de CDS não colapsa e que os governos encontram medidas eficazes de prevenir uma queda extrema dos preços do imobiliário. Então daríamos connosco num mundo completamente diferente. A recessão nas economias ocidentais podia acabar em meados do próximo ano. Com as taxas de juro próximas do zero podíamos assistir a uma rápida recuperação do crédito. Os bancos centrais provavelmente serão demasiado lentos a aumentarem as suas taxas de juro temendo assim travar uma certa recuperação.

O resultado seria um aumento repentino da inflação, provavelmente a mãe de todo os colapsos do mercado obrigacionista e, possivelmente, e uma crise do dólar.

Existem assim riscos em ambos os cenários – riscos quiçá assimétricos, mas certamente significativos, tanto em termos do seu impacto como da sua probabilidade.

Os responsáveis estatísticos estabelecem uma diferença entre dois tipos de erros: erros de tipo um e de tipo dois.

Suponhamos que todos acreditamos que vai acontecer outra Grande Depressão. Um erro de tipo um seria rejeitar a existência de um cenário de depressão, por mais real que ele fosse, enquanto um erro tipo dois seria aceitar que tal está em vias de acontecer, quando tudo aponta para o contrário.

A política da Reserva Federal está a fazer tudo por tudo para evitar que se cometa o primeiro erro – subestimar a ameaça de uma depressão – a todo o custo. Fiquei bastante surpreendido na semana passada quando ouvi que o Fed adoptou uma política de “abrandamento quantitativo”.

O Fed leva a cabo operações no mercado aberto com o objectivo de manter a actual taxa dos fundos do Fed próxima do objectivo traçado pelo comité de mercados abertos do Fed. A taxa dos fundos do Fed é a taxa à qual os bancos emprestam os seus balanços uns aos outros, de um dia para o outro. Mas, recentemente, esta taxa caiu muito abaixo da taxa definida e que é de 1%. Nesta estratégia de abrandamento quantitativo, o Fed não atenta nesta taxa. O objectivo consiste em aumentar a massa monetária em circulação inundando os fundos do Fed de liquidez, motivando assim os bancos a comprarem títulos com maiores rentabilidades.

Mas isto seria uma solução de último recurso. Ben Bernanke escreveu sobre o que acontece quando os bancos emprestam a taxas próximas de zero. Mas existem outras opções. Mas não deixa de ser curioso que tenha aplicado esta arma de desespero maciço numa altura em que ainda estamos longe do nível zero
."

Wolfgang Munchau

Divulgue o seu blog!