quinta-feira, novembro 20, 2008

O mundo que aí vem

"O dr. Soares, eufórico com o que representa na cabeça dele a vitória de Obama, ficou desolado com a cimeira G20 do fim-de-semana.

Não resisto a comentar o artigo de Mário Soares ontem no Diário de Notícias. Não resisto por um motivo. O dr. Soares, eufórico com o que representa na cabeça dele a vitória de Obama, ficou desolado com a cimeira G20 do fim-de-semana. Queria mudanças imediatas e, mais, o advento de um mundo novo. Pois escreve o nosso ex-Presidente que tudo na cimeira não passou de um “espectáculo mediático de grande aparato, mas com escassos resultados”, “boas intenções e promessas retóricas mas não um novo Bretton Woods, quando é precisamente disso que se trata”. E acrescenta como é que os políticos “responsáveis” por esta crise fazem uma cimeira para encontrar saídas quando nada fizeram no passado para a evitar.

Os ex-presidentes são talvez os únicos “ex” que os portugueses conservam sem culpa. Geralmente o “ex” é aquele sujeito (ou sujeita) que perdeu o esplendor que tinha e passa a figurar no pódio dos “como é que foi possível?” No caso dos ex-Presidentes nunca é assim. A gente persegue-os e eles perseguem-nos a nós. Aqui, com a excepção do dr. Soares e de quem pensa como ele, toda a gente assinalou o facto revolucionário que foi ver o velho G7 e G8 passar a um novo G20, incluindo as economias asiáticas e as economias emergentes sem as quais nenhuma reforma do sistema financeiro global é possível. Acontecimentos como este têm um nome: chama-se História. O dr. Mário Soares prefere apelidá-lo como um “espectáculo mediático”.

Isto significa quase 90% do PIB mundial sentado à mesma mesa procurando estratégias comuns e coordenando as medidas nacionais a partir da interdependência da economia globalizada. Não houve medidas “concretas” de reforma de Bretton Woods e, de facto, dificilmente podia haver se Bush está de saída e se a cimeira foi pela primeira vez a 20 e não a 8. Mas toda a imprensa europeia foi unânime em reconhecer a força dos compromissos assumidos e o que eles representam para o aparecimento de uma diferente ordem internacional. Como muitos já fizeram notar, um mundo unipolar está a passar a multipolar, um mundo que pertencia apenas aos ricos e aos interesses dos ricos aprende que precisa de se preocupar com “o resto”, um mundo de ensimesmamento ocidental descobre que a nova ordem só pode ser uma ordem de cooperação.

O problema do dr. Mário Soares e companhia é quererem substituir o que foi o unilateralismo americano por um novo tipo de uniteralismo: o unilateralismo dos seus valores ideológicos. É verdade que foi preciso uma crise séria do capitalismo para se chegar aqui e não convém minimizar esse facto. Mas, como lembrava um lúcido Martin Wolf há pouco tempo, o mundo que aí vem terá mais a ver com a “institucionalização” de interesses comuns do que de valores comuns. Não é tempo para guerras ideológicas
."

Pedro Lomba

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