segunda-feira, dezembro 22, 2008

Dias contados

"Manuel Alegre reuniu-se com o Bloco em convívio que muitos observadores decretaram "histórico". Falou-se em momento de viragem, em redefinição radical do quadro político e por um triz não se propôs a elevação do 14 de Dezembro a feriado nacional.

Não é má vontade, mas li os relatos daquilo que sucedeu na Aula Magna e não percebi a excitação. Segundo todos os testemunhos, o apogeu do Fórum das Esquerdas coincidiu com o discurso de Alegre. A sério? A mim pareceu-me que, durante vinte minutos, Alegre se limitou a interpretar uma colectânea dos maiores clichés de uma longa carreira: a insatisfação, a vontade, a coragem, a pluralidade, a solidariedade, a convergência, etc. Naturalmente, também não faltaram os grandes sucessos "Ninguém é Proprietário da Esquerda", "Ninguém Tem o Monopólio da Verdade" e "Ninguém é Dono do Futuro", tudo enfeitado com uma citação de Dante e o aparatoso lirismo que faz do Hemingway caseiro um dos maiores autores de Águeda a alguma vez ter ocupado um posto na Assembleia da República. Histórico?

Moderar a euforia não seria desaconselhável. Removida a retórica, o que de resto não é fácil, o certo é que ainda não se sabe se Alegre fica ou sai do Partido Socialista, nem se se candidata pelo PS em 2009 ou forma uma força alternativa, nem se a força alternativa inclui ou não o BE. Eu não sei, você não sabe, Alegre não faz ideia. Se alguma fezada paira por aqueles lados é a de explorar o milhão de votos que o popular rancor a Soares despejou em cima do poeta e a respectiva imaginação teima em carregar por toda a parte.

Os resultados das últimas "presidenciais" insuflaram Alegre de uma influência que, precária ou não, nunca sonhou possuir. De súbito, o homem achou-se mandatado a resgatar o PS e a esquerda democrática do eng. Sócrates, que ele politica e pessoalmente despreza. Não importa que para isso tenha de ameaçar sair do PS e coligar-se com um pedaço da esquerda anti-democrática. E não importa que não saia da ameaça. Por enquanto em típica (e corajosa) hesitação, a Alegre importa somente "aproveitar a crise" (palavras dele) e exibir o seu presuntivo poder, na convicção de que o mesmo chega para irritar o primeiro-ministro.

É, no fundo, um projecto de vingança pessoal, que talvez retire a maioria absoluta ao PS ou, mais provavelmente, talvez concentre no PS os votos de um centro assustado com a fúria ideológica à solta na Aula Magna. Apesar da sua inutilidade a prazo, aceita-se que a primeira hipótese empolgue Alegre nos intervalos do canal Caça & Pesca. Já que tamanho monumento ao vazio seja tomado por uma revolução na esquerda apenas mostra o estado da esquerda, afinal pouco melhor que o da direita. O "quadro" partidário está para mudar, sim, mas não da maneira que tantos pensam
."

Alberto Gonçalves

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