quinta-feira, dezembro 11, 2008

José Saramago

"Saramago é bom quando não perde tempo a pregar. Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis (uma obra-prima) são bons exemplos da excelência do homem quando ele suspende a ridícula importância a que se concede. Os romances pós-Nobel, alimentados por uma grandiloquência moralista e infantil, são francamente ilegíveis e até ridículos: A Caverna ou Ensaio sobre a Lucidez são tão politicamente primários que nenhuma qualidade estética os salva.
Por isso, brindo à publicação de A Viagem do Elefante (Caminho), o melhor romance desde o Nobel e seguramente um dos melhores romances de Saramago. História simples? Só à primeira vista: em 1551, D. João III resolve presentear o seu primo, o arquiduque Maximiliano da Áustria, com uma oferta memorável. A oferta é um elefante, Salomão de seu nome, que da Índia atracou em Lisboa e que irá agora, por terra e rio, de Lisboa para Viena. Partindo destes factos históricos, o livro é o relato, delicioso e deliciosamente irónico, da viagem lenta de Salomão, guiado pelo seu cornaca e perfeitamente indiferente às vaidades hierárquicas dos oficiais que acompanham os seus pesados passos.

Uma aventura, se quisermos, pela Europa pós-reformista de meados do século XVI, que na tela de Saramago ganha contornos pícaros e oníricos. Termina tudo em festa, com uma Viena rendida ao paquiderme. O exacto paquiderme que, pouco depois, cumprindo a lei natural da vida, deixará o mundo dos vivos para ver as suas patas transformadas em elegantes bengaleiros, daqueles que servem para guardar sombrinhas e chapéus-de-chuva.

É uma bela metáfora sobre a nossa condição: depois das viagens todas desta vida, terminamos assim. Em pouco. Em nada
."

João Pereira Coutinho

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