quinta-feira, dezembro 04, 2008

O calvário da vítima

"Em regra, a vítima é esquecida e abandonada. Ninguém se preocupa com a violação dos seus direitos”

Na origem do Direito a vítima ocupava uma posição de destaque, na medida em que lhe era facultada a possibilidade de requerer a vingança ou a compensação. Com a evolução da sociedade e com o desaparecimento da vingança privada, o Estado passou a ser o titular da ‘persecutio criminis’, tendo a vítima sido jogada para uma situação periférica do Direito.

Sendo esta a política criminal acertada e a filosofia a seguir por qualquer Estado Democrático de Direito, o certo é que se foi longe de mais na desprotecção da vítima. No modelo clássico de justiça criminal, a vítima foi neutralizada, continuando esquecida. Uma sociedade que não presta assistência às vítimas dos seus crimes e um sistema penal que não as protege não tem dignidade. A protecção da vítima não é de todo uma preocupação do processo penal, que está mais interessado em assegurar os direitos dos criminosos. Em regra, a vítima é esquecida e abandonada. Ninguém se preocupa com a violação dos seus direitos. Neste contexto, a actual reforma das leis penais é um bom exemplo da desigualdade e desse abandono. Só mesmo quem nunca presenciou a angústia, o medo, o terror ou quem nunca julgou pode afirmar que a vítima alguma vez será a ‘dona’ do processo penal. Cada vez mais o processo penal se distancia da vítima e se aproxima do arguido. O calvário da vítima desde que sofre a violação doméstica, o abuso sexual, o sequestro, o roubo ou a tentativa de homicídio, passando pela queixa, até julgamento, é de arrepiar. Só Cristo, que morreu na cruz para salvar a Humanidade, é sensível e compreende esta triste realidade. A vítima, que é instrumentalizada pela Acusação, não é dona de nada, nem de si própria. O estado de fragilização e de estigmatização que sofre quando é agredida é enorme. O impacto psicológico é brutal. Ela tem medo de vinganças, represálias, ela sente falta de confiança na actuação da polícia e no sistema penal e tem uma sensação de impunidade.

Ela sofre danos psíquicos, físicos, sociais e económicos que nenhuma pena ou indemnização apagará da sua memória. Esta reparação formal dos danos é outra crueldade do sistema penal, porque na maioria dos casos as indemnizações são miseráveis (e quase nunca são pagas), chegando mesmo a constituir um segundo dano, cometido pelo Estado. A reparação dos danos não é prioridade, mas sim a imposição do castigo. A situação desumana e de desamparo penal das vítimas é uma verdadeira ‘via crucis criminal’
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Rui Rangel

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