Cambada de poupadinhos...
"Consumismo desenfreado, crédito demasiado fácil, famílias sobreendividadas, economia hipotecada. Lembra-se de todas as lições de moral? Esqueça: agora é preciso que gaste dinheiro. Estes economistas estão loucos.
Se quer ajudar a economia, gaste dinheiro. Consuma! Comprar mais um plasma, adquirir um automóvel e jantar fora, se possível duas vezes no mesmo dia, é mais patriótico que apoiar a recandidatura de Durão Barroso. Quem produz precisa de clientes para manter o presente, que diabo!
Trata-se de um exagero, claro, mas ilustra a esquizofrenia destes tempos modernos: os macroeconomistas que durante anos avisaram para a irresponsabilidade dos consumos alertam agora para a responsabilidade que as poupanças vão ter nas economias. É como o sal: de mais gera doença, de menos traz insipidez.
Os consumidores não passaram da bulimia para a anorexia mas a economia pode morrer da cura. Silva Lopes foi dos primeiros a dizê-lo, há uns valentes meses: é urgente poupar, mas de todos os momentos em que isso se manteve essencial, agora é a pior altura para começar.
A economia portuguesa representa um mercado doméstico pequeno. Mas, com a queda brutal nas exportações e no investimento dos últimos meses, a redução do consumo é mais um prego no caixão: todas as variáveis conduzem a falta de vendas e de margens das empresas, que logo cortam custos e reduzem a sua dimensão, logo empregando menos e, sim, pagando salários menores.
Se os consumidores empregados não consomem é porque têm medo. Com esta baixa inflação, redução dos bens alimentares, das gasolinas e das prestações, este ano resultará, para os empregados, num dos maiores aumentos de rendimento disponível em décadas. Para onde está a ir esse dinheiro? Para o colchão, para os depósitos a prazo (40 milhões por dia no último ano), poupanças.
Pode parecer estranho ouvir Sócrates justificar mais investimentos em vez de menos impostos porque assim as pessoas não gastariam dinheiro. Mas o primeiro-ministro está a falar como um economista informado. Se os economistas lhe pedem que gaste hoje o que está a adiar para amanhã, não lhe estão a desejar o suicídio. Mas estão a pedir-lhe que dê um passo atrás antes de dar dois em frente.
A questão no abstracto faz sentido: gaste, consuma, não adie, compre. Mas, na prática, tal só acontecerá quando houver confiança. E, no concreto, não só o País está, de facto, hiperbolicamente endividado (deve mais de 100% do PIB, o seu crescimento anual serve para pagar os juros), como as famílias têm de aproveitar a folga na Euribor para suavizar erros passados e preparar embates futuros.
Escreva isto na porta do frigorífico: os juros estão baixos mas só temporariamente. Os países estão a resolver as suas crises com mais dívidas, que será preciso pagar no futuro. E esta hipótese de deflação é um fantasminha improvável face aos riscos de grandes inflações para depois desta crise.
Antes de as economias merecerem que gaste o seu dinheiro, têm de lhe sossegar as incertezas. Se é dos felizardos que têm mais dinheiro no fim do mês agora do que há um ano, olhe para as dívidas de hoje e para os juros do futuro. Poupar ou gastar é uma pergunta nacional mas tem resposta individual. Como diz a revista "Sábado", pense por si."
Pedro Santos Guerreiro
Se quer ajudar a economia, gaste dinheiro. Consuma! Comprar mais um plasma, adquirir um automóvel e jantar fora, se possível duas vezes no mesmo dia, é mais patriótico que apoiar a recandidatura de Durão Barroso. Quem produz precisa de clientes para manter o presente, que diabo!
Trata-se de um exagero, claro, mas ilustra a esquizofrenia destes tempos modernos: os macroeconomistas que durante anos avisaram para a irresponsabilidade dos consumos alertam agora para a responsabilidade que as poupanças vão ter nas economias. É como o sal: de mais gera doença, de menos traz insipidez.
Os consumidores não passaram da bulimia para a anorexia mas a economia pode morrer da cura. Silva Lopes foi dos primeiros a dizê-lo, há uns valentes meses: é urgente poupar, mas de todos os momentos em que isso se manteve essencial, agora é a pior altura para começar.
A economia portuguesa representa um mercado doméstico pequeno. Mas, com a queda brutal nas exportações e no investimento dos últimos meses, a redução do consumo é mais um prego no caixão: todas as variáveis conduzem a falta de vendas e de margens das empresas, que logo cortam custos e reduzem a sua dimensão, logo empregando menos e, sim, pagando salários menores.
Se os consumidores empregados não consomem é porque têm medo. Com esta baixa inflação, redução dos bens alimentares, das gasolinas e das prestações, este ano resultará, para os empregados, num dos maiores aumentos de rendimento disponível em décadas. Para onde está a ir esse dinheiro? Para o colchão, para os depósitos a prazo (40 milhões por dia no último ano), poupanças.
Pode parecer estranho ouvir Sócrates justificar mais investimentos em vez de menos impostos porque assim as pessoas não gastariam dinheiro. Mas o primeiro-ministro está a falar como um economista informado. Se os economistas lhe pedem que gaste hoje o que está a adiar para amanhã, não lhe estão a desejar o suicídio. Mas estão a pedir-lhe que dê um passo atrás antes de dar dois em frente.
A questão no abstracto faz sentido: gaste, consuma, não adie, compre. Mas, na prática, tal só acontecerá quando houver confiança. E, no concreto, não só o País está, de facto, hiperbolicamente endividado (deve mais de 100% do PIB, o seu crescimento anual serve para pagar os juros), como as famílias têm de aproveitar a folga na Euribor para suavizar erros passados e preparar embates futuros.
Escreva isto na porta do frigorífico: os juros estão baixos mas só temporariamente. Os países estão a resolver as suas crises com mais dívidas, que será preciso pagar no futuro. E esta hipótese de deflação é um fantasminha improvável face aos riscos de grandes inflações para depois desta crise.
Antes de as economias merecerem que gaste o seu dinheiro, têm de lhe sossegar as incertezas. Se é dos felizardos que têm mais dinheiro no fim do mês agora do que há um ano, olhe para as dívidas de hoje e para os juros do futuro. Poupar ou gastar é uma pergunta nacional mas tem resposta individual. Como diz a revista "Sábado", pense por si."
Pedro Santos Guerreiro
1 Comments:
"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar
bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até
que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à
falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"
Karl Marx, in Das Kapital, 1867
UM ABRAÇO
(SEM PALAVRAS)
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