O sexo da crise
"Portugal vive mergulhado na pornografia da crise. São reportagens sobre o desemprego e a fome, notícias sobre as sucessivas falências, denúncias de empresários desonestos e o retrato de um país à beira de um ataque de nervos.
Mostra-se o efeito da crise económica com o prazer ‘voyeur' de quem descobre um mundo esquecido. O país experimenta um tempo de resignação e de fatalismo, põe as mãos nos bolsos e senta-se em casa à espera que tudo passe.
Por estranho que pareça, os efeitos e as causas da crise não são discutidos nem analisados. Existe de facto uma enorme agitação em torno da crise, mas tudo acaba no silêncio falhado de um seminário sobre o sexo dos anjos. No entanto, a tão lamentada crise veio estimular o atávico sentimento nacional e uma secular vocação para ser vítima das injustiças do mundo. As dificuldades que o país atravessa nada têm a ver com a política nacional. A crise foi uma maldição e uma injustiça que se abateu sobre o Portugal esclarecido e competente.
O novo nacionalismo económico que compara a crise a uma praga estrangeira é uma forma original de xenofobia política. A crise é o estranho que comete crimes e que rouba o emprego dos nacionais. A crise é o emigrante que perturba a paz social e que traz a discórdia e a violência. A crise é o "outro" que não conhecemos e que por isso transporta o mal e simboliza o medo. O discurso é sem dúvida politicamente atraente, apenas sofre de uma pequena ingenuidade própria de um camponês perdido na grande cidade. Aliás, eis a real situação nacional na perspectiva de um isolacionismo atávico e provinciano - Portugal é um país perdido na agitação do grande mundo.
No entanto, a benefício da verdade, o país tem um Governo forte e uma oposição flácida. Um Governo que define medidas, é pródigo em discursos e que distribui subsídios pelos portugueses com o sorriso optimista de quem se sente acima de qualquer crítica e longe de qualquer culpa. Perante a maior recessão depois de 1975, não existe experiência nem soluções políticas para a actual situação. Esperar parece ser a norma e o destino do País. Mas existe um excitante paradoxo no estado da Nação. Com Sócrates sólido a primeiro-ministro, nunca um Governo com tanto poder foi a imagem acabada de tanta impotência.
E no fim sobra alguma moral? Diz-se que enquanto Roma ardia, Nero se entregava ao sublime prazer da lira. Afinal as chamas também consomem os acordes felizes da música celestial. Conta-se também que Nero nomeou o seu cavalo para um lugar no Senado. Na idade da razão política, felizmente que em Portugal já não existe Senado."
Carlos Marques de Almeida
Mostra-se o efeito da crise económica com o prazer ‘voyeur' de quem descobre um mundo esquecido. O país experimenta um tempo de resignação e de fatalismo, põe as mãos nos bolsos e senta-se em casa à espera que tudo passe.
Por estranho que pareça, os efeitos e as causas da crise não são discutidos nem analisados. Existe de facto uma enorme agitação em torno da crise, mas tudo acaba no silêncio falhado de um seminário sobre o sexo dos anjos. No entanto, a tão lamentada crise veio estimular o atávico sentimento nacional e uma secular vocação para ser vítima das injustiças do mundo. As dificuldades que o país atravessa nada têm a ver com a política nacional. A crise foi uma maldição e uma injustiça que se abateu sobre o Portugal esclarecido e competente.
O novo nacionalismo económico que compara a crise a uma praga estrangeira é uma forma original de xenofobia política. A crise é o estranho que comete crimes e que rouba o emprego dos nacionais. A crise é o emigrante que perturba a paz social e que traz a discórdia e a violência. A crise é o "outro" que não conhecemos e que por isso transporta o mal e simboliza o medo. O discurso é sem dúvida politicamente atraente, apenas sofre de uma pequena ingenuidade própria de um camponês perdido na grande cidade. Aliás, eis a real situação nacional na perspectiva de um isolacionismo atávico e provinciano - Portugal é um país perdido na agitação do grande mundo.
No entanto, a benefício da verdade, o país tem um Governo forte e uma oposição flácida. Um Governo que define medidas, é pródigo em discursos e que distribui subsídios pelos portugueses com o sorriso optimista de quem se sente acima de qualquer crítica e longe de qualquer culpa. Perante a maior recessão depois de 1975, não existe experiência nem soluções políticas para a actual situação. Esperar parece ser a norma e o destino do País. Mas existe um excitante paradoxo no estado da Nação. Com Sócrates sólido a primeiro-ministro, nunca um Governo com tanto poder foi a imagem acabada de tanta impotência.
E no fim sobra alguma moral? Diz-se que enquanto Roma ardia, Nero se entregava ao sublime prazer da lira. Afinal as chamas também consomem os acordes felizes da música celestial. Conta-se também que Nero nomeou o seu cavalo para um lugar no Senado. Na idade da razão política, felizmente que em Portugal já não existe Senado."
Carlos Marques de Almeida
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