Regresso às origens
"Na resposta a um artigo onde eu comentava criticamente afirmações suas, Mário Soares disse um dia que eu tinha uma «obsessão» com ele.
O tempo provou que isso não era verdade.
Apesar de Soares dar opiniões todas as semanas (e às vezes várias vezes por semana), e de eu publicar também semanalmente pelo menos dois artigos, há mais de três anos que não lhe dedico um texto.
Mas agora tenho de o fazer.
E não só pelas insistentes e muito duvidosas declarações sobre Durão Barroso – que não lhe ficam bem, porque parecem resultar de um certo ressabiamento pessoal.
Toda a gente sabe que Soares gostaria de ter tido uma carreira internacional, que por várias contingências do destino não se concretizou.
Mais que não fosse por isso, deveria evitar comentar a carreira de um português que chegou a um alto cargo na hierarquia europeia.
Assim, os seus ataques a Barroso soam a revanche.
MAS não é essa a questão mais importante.
Há umas semanas, Soares dizia num artigo no DN aproximadamente o seguinte: na economia, tudo o que seja aumentar o controlo do Estado é bom, tudo o que seja beneficiar a iniciativa privada é mau.
Ora, ainda que eu compreenda esta afirmação, uma pessoa com visão e responsabilidades não a deveria fazer.
Um dos maiores perigos desta crise financeira e económica é dizimar o tecido económico privado, colocando demasiado poder nas mãos do Estado.
Isso é já claramente observável em Portugal.
Veja-se o que se passa na banca: a transformação do BCP numa segunda Caixa Geral de Depósitos, a nacionalização do BPN, a dependência dos banqueiros em relação ao Governo mercê das garantias dadas aos bancos.
Veja-se o que se passa nas empresas onde o Estado tem a maioria ou golden share: as administrações não têm coragem para dar um passo sem o aval do Governo.
Veja-se o que se passa com muitos empresários, que estão hoje de cócoras perante o Governo à espera de subsídios, de facilidades de crédito, de encomendas públicas, etc.
O poder do Estado já é, pois, asfixiante na economia.
Onde iremos parar, se esse peso aumentar – e se se acentuar o descrédito e a falta de confiança da iniciativa privada?
É NATURAL que Obama, nos Estados Unidos, fale de uma maior intervenção económica da Administração central.
Na América há certas áreas da sociedade, como a Saúde, onde a falta de presença do Estado gera situações angustiantes – e que deverão ser corrigidas.
Os americanos têm uma espécie de ‘capitalismo puro’, que é muito estimulante, que assegura a dinamização do sistema, que favorece a criatividade e o engenho – mas que às vezes também é muito desumano.
Só que na Europa as coisas são diferentes.
Na Europa há uma tradição intervencionista do poder central.
E essa tradição faz-se sentir particularmente em Portugal, onde o Estado tem historicamente ‘abafado’ a sociedade, gerando um sistema pesado e burocrático que é o grande responsável pelo atraso do país.
NOS finais do século XIX e princípios do XX começava a surgir em Portugal um embrião de capitalismo industrial e financeiro, com homens como Alfredo da Silva, Burnay ou Sotto Mayor – mas veio a República e partiu-lhe a espinha. E Salazar, com a sua mentalidade anticapitalista, completou o trabalho, impondo entraves ao desenvolvimento industrial e financeiro.
No fim do marcelismo, porém, afirmava-se outra vez uma burguesia na indústria e na banca, com figuras dinâmicas como Champalimaud ou Cupertino de Miranda – mas veio o 25 de Abril e decapitou-a, afugentando do país as grandes fortunas.
Agora, quando começava outra vez a surgir um arremedo de classe empresarial com alguma autonomia em relação ao Governo, veio a crise.
É CERTO que havia abusos, fraudes, etc.
Mas isso não era o essencial.
É preciso olhar para os problemas numa perspectiva histórica – e ter depois disponibilidade para ver mais longe.
E nessa perspectiva, o discurso a fazer não é elogiar o papel do Estado e diabolizar o capital privado.
O discurso a fazer é o oposto: é apelar ao capital privado para investir e não se acolher debaixo do chapéu de chuva governamental.
Até porque não sairemos da crise por via dos poderes públicos.
Estes podem servir para evitar maiores danos, como os bombeiros o fazem numa catástrofe.
Mas a superação da crise só acontecerá quando o investimento privado reanimar, quando os pequenos, médios e grandes investidores recuperarem a confiança e voltarem a acreditar no sistema.
Lançar a desconfiança sobre o capital privado é pois, neste momento, um erro (para não dizer um crime).
CUSTA a perceber que Mário Soares, que durante o tempo em que esteve na política activa combateu os que sobrevalorizavam o papel do Estado e os poderes públicos (travando com o PCP uma luta sem tréguas), venha agora defender o contrário.
É um regresso às origens_– ao tempo em que andou na esfera do Partido Comunista.
Mas um regresso às origens muito fora de tempo – e num momento em que esse tipo de discurso pode ser fatal para o nosso futuro.
Como já escrevi uma vez, quando os outros países começarem a sair da crise nós não teremos condições para o fazer – porque a nossa classe empresarial estará exangue e de rastos."
JAS
O tempo provou que isso não era verdade.
Apesar de Soares dar opiniões todas as semanas (e às vezes várias vezes por semana), e de eu publicar também semanalmente pelo menos dois artigos, há mais de três anos que não lhe dedico um texto.
Mas agora tenho de o fazer.
E não só pelas insistentes e muito duvidosas declarações sobre Durão Barroso – que não lhe ficam bem, porque parecem resultar de um certo ressabiamento pessoal.
Toda a gente sabe que Soares gostaria de ter tido uma carreira internacional, que por várias contingências do destino não se concretizou.
Mais que não fosse por isso, deveria evitar comentar a carreira de um português que chegou a um alto cargo na hierarquia europeia.
Assim, os seus ataques a Barroso soam a revanche.
MAS não é essa a questão mais importante.
Há umas semanas, Soares dizia num artigo no DN aproximadamente o seguinte: na economia, tudo o que seja aumentar o controlo do Estado é bom, tudo o que seja beneficiar a iniciativa privada é mau.
Ora, ainda que eu compreenda esta afirmação, uma pessoa com visão e responsabilidades não a deveria fazer.
Um dos maiores perigos desta crise financeira e económica é dizimar o tecido económico privado, colocando demasiado poder nas mãos do Estado.
Isso é já claramente observável em Portugal.
Veja-se o que se passa na banca: a transformação do BCP numa segunda Caixa Geral de Depósitos, a nacionalização do BPN, a dependência dos banqueiros em relação ao Governo mercê das garantias dadas aos bancos.
Veja-se o que se passa nas empresas onde o Estado tem a maioria ou golden share: as administrações não têm coragem para dar um passo sem o aval do Governo.
Veja-se o que se passa com muitos empresários, que estão hoje de cócoras perante o Governo à espera de subsídios, de facilidades de crédito, de encomendas públicas, etc.
O poder do Estado já é, pois, asfixiante na economia.
Onde iremos parar, se esse peso aumentar – e se se acentuar o descrédito e a falta de confiança da iniciativa privada?
É NATURAL que Obama, nos Estados Unidos, fale de uma maior intervenção económica da Administração central.
Na América há certas áreas da sociedade, como a Saúde, onde a falta de presença do Estado gera situações angustiantes – e que deverão ser corrigidas.
Os americanos têm uma espécie de ‘capitalismo puro’, que é muito estimulante, que assegura a dinamização do sistema, que favorece a criatividade e o engenho – mas que às vezes também é muito desumano.
Só que na Europa as coisas são diferentes.
Na Europa há uma tradição intervencionista do poder central.
E essa tradição faz-se sentir particularmente em Portugal, onde o Estado tem historicamente ‘abafado’ a sociedade, gerando um sistema pesado e burocrático que é o grande responsável pelo atraso do país.
NOS finais do século XIX e princípios do XX começava a surgir em Portugal um embrião de capitalismo industrial e financeiro, com homens como Alfredo da Silva, Burnay ou Sotto Mayor – mas veio a República e partiu-lhe a espinha. E Salazar, com a sua mentalidade anticapitalista, completou o trabalho, impondo entraves ao desenvolvimento industrial e financeiro.
No fim do marcelismo, porém, afirmava-se outra vez uma burguesia na indústria e na banca, com figuras dinâmicas como Champalimaud ou Cupertino de Miranda – mas veio o 25 de Abril e decapitou-a, afugentando do país as grandes fortunas.
Agora, quando começava outra vez a surgir um arremedo de classe empresarial com alguma autonomia em relação ao Governo, veio a crise.
É CERTO que havia abusos, fraudes, etc.
Mas isso não era o essencial.
É preciso olhar para os problemas numa perspectiva histórica – e ter depois disponibilidade para ver mais longe.
E nessa perspectiva, o discurso a fazer não é elogiar o papel do Estado e diabolizar o capital privado.
O discurso a fazer é o oposto: é apelar ao capital privado para investir e não se acolher debaixo do chapéu de chuva governamental.
Até porque não sairemos da crise por via dos poderes públicos.
Estes podem servir para evitar maiores danos, como os bombeiros o fazem numa catástrofe.
Mas a superação da crise só acontecerá quando o investimento privado reanimar, quando os pequenos, médios e grandes investidores recuperarem a confiança e voltarem a acreditar no sistema.
Lançar a desconfiança sobre o capital privado é pois, neste momento, um erro (para não dizer um crime).
CUSTA a perceber que Mário Soares, que durante o tempo em que esteve na política activa combateu os que sobrevalorizavam o papel do Estado e os poderes públicos (travando com o PCP uma luta sem tréguas), venha agora defender o contrário.
É um regresso às origens_– ao tempo em que andou na esfera do Partido Comunista.
Mas um regresso às origens muito fora de tempo – e num momento em que esse tipo de discurso pode ser fatal para o nosso futuro.
Como já escrevi uma vez, quando os outros países começarem a sair da crise nós não teremos condições para o fazer – porque a nossa classe empresarial estará exangue e de rastos."
JAS
1 Comments:
Recorde-se que foram as empresas privadas que causaram a crise. Quando se viram em apuros recorreram ao estado. Os defensores do capitalismo puro esquecem-se da dimensão social dos "reajustamentos" que em termos reais se traduzem em revoluções, criminalidade e pobreza. Sendo que a função de estado será assegurar o bem estar dos cidadãos e não apenas o de uma elites de gestores, a economia deverá ficar para segundo plano, ao fim e ao cabo para que serve a economia? Para alimentar um grupo de elite restrito ou assegurar o bem estar de uma população? Esta é a verdadeira questão!
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