terça-feira, junho 16, 2009

As eleições

"1. Eu pensava que Portugal tinha decidido imitar a Itália, onde é impossível encontrar um sujeito que confesse gostar de Berlusconi e onde Berlusconi ganha sempre. Por cá, há muito que não me cruzo com ninguém que, à simples menção do nome do eng. Sócrates, não dispare cerca de 87% dos insultos disponibilizados pela língua de Camões e das vendedoras do Bolhão. Apesar disso, também há muito que fontes diversas sugeriam a invencibilidade do homem. A princípio, estranhei. Depois, convenci-me de que o defeito era meu, que ando a sair pouco. Não era: os resultados das "europeias" provam que, afinal, os portugueses se cansaram do eng. Sócrates tanto quanto a minha pequeníssima amostra me indicava. E provam que só a propaganda, directa ou difundida por sondagens e imprensa amiga, criou a ilusão contrária.

A ilusão evaporou-se no domingo, com o primeiro-ministro abandonado pela exacta realidade de que vem guardando crescente distância. As cadeiras vazias na cave do Altis, a fuga de Mário Lino, a ministra da Educação a abrir caminho aos empurrões e o ar de Santos Silva na RTP, entre o humilde e o atarantado, foram, mais do que metáforas, as exéquias de um tempo. Hoje, a lendária "capacidade mobilizadora" do eng. Sócrates viu-se enfim reduzida à lenda. Portugal, de facto, não é a Itália: Berlusconi ganhou outra vez.

2. Vai fazer um ano que estive, em reportagem para a revista Sábado, no congresso do PSD em Guimarães, aquele que marcou a chegada de Manuela Ferreira Leite à liderança do partido. Paulo Rangel, então pré-anunciado chefe do grupo parlamentar, também andava por lá. E andava de facto, no exterior do recinto e de um lado para o outro, com telemóvel, sem telemóvel, sempre sozinho. Literalmente: não vi ninguém dirigir-lhe a palavra.

Foi mais ou menos assim, sozinho, que Rangel passou a campanha. À semelhança do posto no parlamento, o seu lugar na lista às "europeias" resultou de uma escolha pessoal de Ferreira Leite e por isso mereceu o desprezo das parcelas do PSD que aguardavam, como costumam aguardar, a derrocada fatal e próxima. Contra todas as expectativas e desejos, não houve derrocada. Façam-se as contas que se fizerem, Rangel e Ferreira Leite ganharam as "europeias" e imprevistos amigos. O PSD, o PSD dos amigos recentes e futuros, das "bases", dos "notáveis", das conspirações, das reflexões, de Menezes e da inacreditável esperança chamada Pedro Passos Coelho, nem por isso

3. De repente, desceu-me ao coração uma inesperada ternura por Vital Moreira. É verdade que o sujeito realizou uma campanha infeliz e um nadinha perigosa para os padrões democráticos, mesmo que os nacionais. Mas, no fundo, fez o que pôde e o que lhe pediram, pelo que a pressa de algum PS em culpar o professor doutor de Coimbra pela derrota revela um estilo pouco louvável, para não dizer aberrante. Nem Vital é politicamente relevante nem o eleitorado avaliou especificamente o desempenho dele ou, diga-se, das curiosas senhoras que o seguiam na "lista" e que, em diversos casos, vão a Bruxelas "dar o nome". Goste-se ou não, o que foi avaliado foi uma prática governativa, cujo real responsável, que há um mês considerava as "europeias" um teste ao Governo e à oposição, já afirmou não pretender inverter até às "legislativas". O estilo pouco louvável, para não dizer aberrante, reflecte-se em tudo.

4. A reacção dos nossos media aos resultados das "europeias" foi pródiga em comentários preocupados perante o crescimento dos partidos extremistas em vários países da União. Vá-se lá saber porquê, os nossos media não parecem tão preocupados com o crescimento dos partidos extremistas em Portugal, que partilham com aqueles o discurso "anti-sistema", a aversão à globalização, ao capitalismo e ao mercado livre, a retórica proteccionista, o recurso ao medo e ao conflito social, o anti-semitismo, a repulsa tradicional face aos EUA e, aqui e ali, as tácticas de insurgência através da "rua". Os skinheads britânicos elegeram um eurodeputado? Penteados à parte, os skinheads indígenas elegeram cinco.

5. Embora embarace um país que se desejaria civilizado, o crescimento caseiro da extrema-esquerda que se viu arrasada na Europa, não é o principal resultado da noite de domingo. A direita, isto é, o PSD e o CDS, cresceu o mesmo que o Bloco e o PCP. É evidente que se somarmos a percentagem do PS à da extrema-esquerda, a esquerda ainda é maioritária no país. Mas essa vantagem caiu imenso quando comparada com as "europeias" de 2004 (e com as "legislativas" de 2005). Também em Portugal, então, o avanço (e a vitória nominal) do conservadorismo possível foi a grande marca destas eleições. De resto à imagem da União, onde os filiados no PPE ou as forças similares venceram em quase toda a parte. É, sem dúvida, uma resposta interessante ao estertor do capitalismo, que tantos anunciaram sem se rir. Afinal, o cadáver, ou pelo menos o moribundo, é outro.

6. A emoção que 8,37% dos votos emprestaram ao Largo do Caldas mostrou um CDS nitidamente comovido, e eventualmente surpreendido, com a notícia da respectiva sobrevivência. É claro que o resultado permite a Paulo Portas sonhar com uma coligação governamental, seja com o PSD, seja com o PS. Em simultâneo, demonstra que fora dos sonhos e da vacuidade programática que vem de longe, a ambição do partido limita-se a vencer as sondagens. E essas qualquer um vence.

7. Mal se conheceram os resultados, os especialistas em sondagens vieram explicar as razões de as sondagens em eleições "europeias" serem tradicionalmente falíveis. Era um nadinha tarde. Teria sido útil anexar as explicações às sondagens aquando da divulgação destas. Bastava acrescentar à ficha técnica: "Graças ao seu carácter peculiar, os actos eleitorais para o Parlamento Europeu estão propensos a desvios insusceptíveis de controlo estatístico. Por isso, onde o nosso inquérito sugere uma vitória do PS com 38%, é favor presumir que o PS talvez não passe dos 26%. Mas o ideal é não nos ligar nenhuma."

A alternativa, aliás já sugerida pelo CDS, seria não realizar qualquer estudo de opinião, ou, melhor ainda, levar a coisa na brincadeira e parodiar o conceito como fez a SIC, que celebrou o fim da credibilidade das sondagens com a apresentação, em plena noite eleitoral, de uma nova sondagem, agora a propósito das "legislativas" e a cargo da empresa do imparcial socialista Rui Oliveira e Costa. Mais uma vez, o PS ganhou. Muito nos rimos.

8. Última hora: consta que a derrota socialista não se deve apenas a Vital Moreira. Num dos inúmeros blogues patrocinados, no mínimo espiritualmente, pelo eng. Sócrates, culpa-se os abstencionistas, aí rotulados de parasitas, anti-sociais e, em termos gerais, criminosos. Os insultos não me servem. Após longos anos dedicados ao abstencionismo, desta vez deixei-me invadir pelo civismo e votei. A fúria apatetada que, talvez sem querer, o primeiro-ministro inspira a alguns dos seus apoiantes pesou na decisão.
"

Alberto Gonçalves

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