quarta-feira, setembro 16, 2009

Contra o capital facturar, facturar

"O festival de cinema de Veneza lembra aquela frase de Millôr Fernandes sobre Sebastião Salgado: pobre, se fotografado do ângulo certo, dá um dinheirão. Isto porque, perante grande entusiasmo de um público com rendimentos presumivelmente acima do operário médio, Michael Moore foi à Aveiro italiana denunciar o capitalismo "perverso e desumano". O pretexto foi mais um documentário do realizador, embora, dado o realizador em causa, "documentário" signifique torturar a realidade até que esta se adapte à tese inicial. Graças a semelhante método, o sr. Moore já "demonstrou" que o sistema de saúde cubano é melhor que o americano, que George W. Bush foi responsável pelo 11 de Setembro e que o direito à posse de arma cria psicopatas. Um dia, provará que os aiatolas são pioneiros da emancipação feminina e que o nevoeiro é uma invenção dos "neo-cons" para maçar banhistas. O segundo objectivo da "obra", digamos, do sr. Moore é culpar os EUA em particular e o Ocidente em geral (Stupid White Men é o título de um livrinho seu) pelas misérias da Terra. O primeiro objectivo é enriquecer.

Essa natural ambição ganha novo potencial cómico face ao filme apresentado em Veneza, Capitalism, A Love Story. Agora, como aliás não podia deixar de ser em tempos de crise, a luta do sr. Moore é com o capitalismo, que ele considera "o mal". A opinião não é inédita, e foi partilhada por vultos do gabarito de Estaline, Mussolini e Hitler. À imagem deles, o sr. Moore também não vai em meias medidas: "Não se reforma o mal, erradica-se para o substituir pelo bem de todos: a democracia." Enquanto a erradicação não chega, o sr. Moore aproveita para facturar uns trocos à conta de uma economia maligna e irreformável, que lhe deu dezenas de milhões por "Fahrenheit 9/11" e um contrato nunca visto de 50% dos lucros por "Sicko", além dos 2 mil a 5 mil dólares que cobra por entrevista.

O sr. Moore é, ele próprio, um exemplo dos defeitos do capitalismo. Em simultâneo, é uma evidência das respectivas virtudes: ao contrário do que se verifica nos regimes alternativos que o sr. Moore defende, só o capitalismo recompensa os que se lhe opõem, só o mercado livre permite o sucesso dos seus críticos. O sr. Moore, que quando adoece não recorre a hospitais de Havana, sabe-o. Os milionários que o aplaudem em Veneza ou em Los Angeles sabem-no. Mas as vastas audiências que erguem uma elite de manhosos ao admirável estatuto de contestatários talvez não o saibam, e é sempre tarde para aprender. A reeducação das massas é exclusivo das "democracias" que o sr. Moore tanto preza
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Alberto Gonçalves

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