terça-feira, novembro 24, 2009

O rabo da pescadinha bem enfiado na boca

"O procurador-geral da República disse ao Expresso que, se fosse por ele, divulgava as escutas de Armando Vara e José Sócrates. Mas - que chatice - o Conselho Consultivo da procuradoria emitiu um parecer que impede a sua divulgação. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, depois de mandar destruir as escutas, admitiu que a sua decisão era passível de recurso. Mas - que chatice - os prazos de recurso já expiraram. Para alegados inimigos figadais, Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento estão neste caso particular em surpreendente comunhão. Não há indícios de prática de crimes por parte de José Sócrates. Não há legitimidade nas escutas a José Sócrates. Donde, importa escolher uma destas três hipóteses: 1) o juiz e o senhor procurador de Aveiro estão avariados da caixa-dos-pirolitos; 2) são tão incompetentes que andaram a ver crimes contra o Estado de direito onde o PGR não vislumbra coisa alguma; 3) são dois peões na gigantesca operação de assassinato de carácter do nosso pobre primeiro-ministro.

Mas agora que Pinto Monteiro concluiu - sozinho?, sem a abertura de um inquérito--crime? - que as conversas entre Vara e Sócrates têm a candura de Cândido, talvez o primeiro-ministro possa partilhar connosco o seu inocente conteúdo, para que não restem quaisquer dúvidas políticas depois de terem sido enterradas as dúvidas criminais. De outra forma, penderá sobre a sua cabeça mais um caso mal resolvido, coisa a que ele certamente já está habituado, mas que ainda assim não me parece ser o mais aconselhável para o bom funcionamento da nossa descredibilizada democracia.

Há quem olhe para tudo isto e prefira bater na comunicação social e na violação constante do segredo de justiça. É uma posição respeitável e com um fundo de verdade: hoje em dia é demasiado fácil manipular aquilo que é publicado na imprensa a partir do obscuro gabinete de um qualquer magistrado, cujas intenções nunca poderão ser avaliadas pelos leitores. Mas, quando nós vemos a justiça de topo a funcionar com a falta de clareza e de dignidade institucional do último par de semanas - já para não falar nos professores de Direito que partilham com a pátria as mais divergentes posições -, não nos podemos deixar de perguntar: será que com um segredo de justiça mais apertado os tribunais funcionariam melhor? Ou, pelo contrário, os poderosos teriam apenas menos trabalho para apagar as pegadas das suas asneiras? É esta pescadinha de rabo na boca que está entalada na garganta da democracia portuguesa. Violar o segredo de justiça pode ser injusto para os inocentes. Mas não violar o segredo de justiça pode tornar tudo ainda mais fácil para os culpados
."

João Miguel Tavares

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