segunda-feira, novembro 23, 2009

Pregar aos peixes

"Muitos indígenas especialistas em comentários, os politólogos do costume, certas almas perdidas nos estranhos jogos da política e uns espertinhos cheios de análises andavam a suspirar há uns tempos por umas palavrinhas do Presidente da República.

Diziam que no meio desta imensa lixeira a céu aberto, com faces ocultas e visíveis, conversas perigosas do senhor presidente relativo do Conselho com amigos do peito sobre negócios de informação, fugas de informação para favorecer suspeitos e outras coisas mais, era fundamental, decisivo para o futuro do sítio, ouvir Cavaco Silva dizer umas palavras que aliviassem as almas penadas e sofridas de um povo triste, que vive, para mal dos seus pecados, num sítio pobre, cada vez mais pobre, deprimido, cada vez mais deprimido, cheio de manhosos que fingem acreditar na Justiça, cheio de mentirosos que prometem amanhãs sem coisa alguma, com uma enorme legião de larápios de colarinho branco e gravatas de marca e, obviamente, cada vez mais mal frequentado.

O Presidente da República lá foi resistindo como pôde a tanto apelo, recebeu pelo caminho um senhor que manda nos juízes e, finalmente, lá disse umas palavrinhas sábias para bons entendedores. Falou na sua vida pessoal, na educação e nos valores, a maior herança que recebeu dos seus pais. Honestidade, verdade e honra. É evidente que estas três palavrinhas valem o que valem. Isto é, não valem coisa alguma nos tempos que correm em que a desonestidade, a mentira e a pouca-vergonha são as chaves do sucesso individual e colectivo.

Mas Cavaco falou. Disse o que disse e a vidinha continua, com os altos magistrados da Justiça a darem espectáculos lamentáveis, o poder político cada vez mais metido nos corredores dos tribunais e os legisladores a prepararem novos diplomas para prevenir situações desagradáveis para os senhores que põem e dispõem neste sítio cada vez mais desagradável. Mas a realidade, essa, é implacável. E não há palavras bonitas que a façam desaparecer.

O défice das contas públicas chegou aos oito por cento, o desemprego está quase nos dez por cento e organizações internacionais, como a OCDE, fazem apelos lancinantes para reformas estruturais urgentes e não têm dúvidas de que o sítio vai ficar cada vez mais pobre e crescer menos do que a média europeia até 2017. É esta a triste realidade. Perante este cenário cada vez mais negro, não há palavras, por mais belas que sejam, que nos salvem de um destino miserável
."

António Ribeiro Ferreira

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