A formidável segunda vida dos bónus da banca
"Afinal, a banca de investimento soma lucros e segue próspera. A regulação muda vírgulas. Os mercados cavalgam uma nova bolha. E já se instala na dormência colectiva a resignação de que pouco mudará no sistema financeiro. Os contribuintes olham para isto com cara de parvos - talvez porque os tomem por tal.
O que há um ano foi esconjurado está este ano já jurado: vai voltar a acontecer e mais depressa do que o diabo esfrega o olho. O facto de a banca de investimento se preparar para ter os seus melhores lucros de sempre significa que pouco se aprendeu e que muito se perdeu: perdeu-se a oportunidade de mudar a regulamentação a sério. Enquanto isso, os gestores destes bancos vão ter um Natal dourado com bónus vertiginosos.
Os ingleses e os americanos andam atónitos. Na City, o bairro financeiro de Londres, não se faz outra coisa que não seja contar dinheiro. Fora da City também não - mas por razões inversas. O assun- to faz manchete de todos os jornais ingleses, dando voz à ira popular: como se atrevem a enriquecer subsidiados pela nossa pobreza? Mesmo os bancos que não receberam dinheiro dos contribuintes, foram acudidos pela estabilização do sector e pelas ajudas dos Estados às economias.
O assunto é de uma sensibilidade extrema. A solução errada é limitar os bónus, como aqui já debatemos. Até porque se esses prémios de gestão (que são repartidos por milhares de funcionários, dos analistas aos administradores) não fossem entregues, seriam distribuídos como dividendos aos accionistas. Ironicamente, pois, a limitação dos prémios de gestão favoreceria o factor capital em detrimento do factor trabalho.
O problema é, então, os lucros serem demasiado elevados? A banca de investimento, que nada cria, tem margens de negócio estapafúrdias, o que lhe permite pagar os melhores salários do mundo. Na teoria económica, tal só pode acontecer havendo falta de concorrência: novos concorrentes entrariam no mercado e baixariam preços, logo os lucros. Só que, nestas operações, as comissões de gestão pagas pelas empresas clientes destes bancos são menos importantes que o sucesso da colocação, da intermediação, da prospecção.
Tudo isto estaria certo se não tivesse no passado levado ao abismo colectivo. E se esse sector não tivesse uma dívida com a sociedade - incluindo os que não foram ajudados e os que devolveram as ajudas (como o Bank of America Merril Lynch, que se empenhou em fazê-lo precisamente para poder pagar bónus sem reservas). Nas ruas de Londres e de Nova Iorque, os banqueiros estão com pior reputação que os políticos em Portugal. É uma bomba-relógio.
Fernando Ulrich questionava há dias: se foi no mundo anglo-saxónico que nasceu a crise e todos os males, por que razão continuamos na Europa continental a seguir-lhes as pisadas, inclusive nas alterações regulatórias? É uma boa pergunta que tem uma resposta fácil: porque o dinheiro fala. E na "anglo-saxónia" o dinheiro fala, canta e zurra.
O diabo ri-se nas esquinas da fraqueza humana e prega-nos a superior partida de nos enganar segunda vez com a mesma cenoura estragada. Num anúncio destes dias, um banco inglês escreve: "Sem integridade e respeito, a gestão de fortunas é simplesmente o manuseamento de dinheiro". Nem mais: é simplesmente isso."
Pedro Santos Guerreiro
O que há um ano foi esconjurado está este ano já jurado: vai voltar a acontecer e mais depressa do que o diabo esfrega o olho. O facto de a banca de investimento se preparar para ter os seus melhores lucros de sempre significa que pouco se aprendeu e que muito se perdeu: perdeu-se a oportunidade de mudar a regulamentação a sério. Enquanto isso, os gestores destes bancos vão ter um Natal dourado com bónus vertiginosos.
Os ingleses e os americanos andam atónitos. Na City, o bairro financeiro de Londres, não se faz outra coisa que não seja contar dinheiro. Fora da City também não - mas por razões inversas. O assun- to faz manchete de todos os jornais ingleses, dando voz à ira popular: como se atrevem a enriquecer subsidiados pela nossa pobreza? Mesmo os bancos que não receberam dinheiro dos contribuintes, foram acudidos pela estabilização do sector e pelas ajudas dos Estados às economias.
O assunto é de uma sensibilidade extrema. A solução errada é limitar os bónus, como aqui já debatemos. Até porque se esses prémios de gestão (que são repartidos por milhares de funcionários, dos analistas aos administradores) não fossem entregues, seriam distribuídos como dividendos aos accionistas. Ironicamente, pois, a limitação dos prémios de gestão favoreceria o factor capital em detrimento do factor trabalho.
O problema é, então, os lucros serem demasiado elevados? A banca de investimento, que nada cria, tem margens de negócio estapafúrdias, o que lhe permite pagar os melhores salários do mundo. Na teoria económica, tal só pode acontecer havendo falta de concorrência: novos concorrentes entrariam no mercado e baixariam preços, logo os lucros. Só que, nestas operações, as comissões de gestão pagas pelas empresas clientes destes bancos são menos importantes que o sucesso da colocação, da intermediação, da prospecção.
Tudo isto estaria certo se não tivesse no passado levado ao abismo colectivo. E se esse sector não tivesse uma dívida com a sociedade - incluindo os que não foram ajudados e os que devolveram as ajudas (como o Bank of America Merril Lynch, que se empenhou em fazê-lo precisamente para poder pagar bónus sem reservas). Nas ruas de Londres e de Nova Iorque, os banqueiros estão com pior reputação que os políticos em Portugal. É uma bomba-relógio.
Fernando Ulrich questionava há dias: se foi no mundo anglo-saxónico que nasceu a crise e todos os males, por que razão continuamos na Europa continental a seguir-lhes as pisadas, inclusive nas alterações regulatórias? É uma boa pergunta que tem uma resposta fácil: porque o dinheiro fala. E na "anglo-saxónia" o dinheiro fala, canta e zurra.
O diabo ri-se nas esquinas da fraqueza humana e prega-nos a superior partida de nos enganar segunda vez com a mesma cenoura estragada. Num anúncio destes dias, um banco inglês escreve: "Sem integridade e respeito, a gestão de fortunas é simplesmente o manuseamento de dinheiro". Nem mais: é simplesmente isso."
Pedro Santos Guerreiro
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