segunda-feira, dezembro 21, 2009

Salvem as minorias dos seus salvadores

"Em Espanha, um juiz finalmente denunciou o sentido único da Lei da Violência de Género, aprovada em 2004 e dedicada a punir em exclusivo os maus tratos dos homens sobre as mulheres. Em Portugal, o provedor dos leitores do Público lamentou a diferença na cobertura do diário a um homicídio da esposa pelo marido (chamada de primeira página) e a um homicídio do marido pela esposa (quatro linhas interiores).

É notável que, no Ocidente do século XXI, a emancipação feminina tenha de voltar a ser defendida e, ainda por cima, o seja por uns poucos excêntricos, sozinhos contra a nova misoginia emergente. Os exemplos citados mostram o modo como, décadas após a igualdade que tanto lhe custou alcançar, a fêmea da espécie se vê devolvida ao estatuto de penduricalho decorativo. Na justiça e na imprensa, a corrente histeria em volta da violência doméstica toma por adquirida a culpa do homem, sem dúvida na presunção de que o "sexo frágil" nunca reage a um conflito conjugal mediante tiros de caçadeira ou qualquer outro método desagradável. Provavelmente, acha-se que uma senhora é demasiado tontinha para carregar uma arma e demasiado inofensiva para premir o gatilho. Mesmo nos casos em que o marido é encontrado na cama com seis balas nas costas, a moralidade dominante inclina-se para o suicídio ou morte "natural" ("Ele devia estar a pedi-las"): o único papel disponível à mulher é o de vítima, estatuto que confere vantagens em divórcios litigiosos e não confere mais nada, incluindo humanidade.

A velha escola da discriminação desumanizava as "minorias" para as oprimir às claras. Nos subtis dias que correm, face às mulheres e ao resto, a desumanização das "minorias" é uma tendência comum aos que berram em seu alegado favor. Entre o berreiro, só os "inimigos", leia-se os indivíduos do sexo masculino, heterossexuais, caucasianos, etc., emergem como pessoas inteiras, capazes dos actos medonhos que também definem a espécie. Pela minha parte, obrigadinho, mas não alinho na sugestão de que o exercício de atrocidades está vedado a mulheres, homossexuais, pretos e similares grupos do catálogo em que o politicamente correcto armazena pessoas maiores e talvez vacinadas.

Além de mentiroso, o pressuposto é vexatório, na medida em que reduz as "minorias" ao tipo de clichés que afirma combater. As mulheres são passivos sacos de pancada. Os gays são criaturinhas festivas e frágeis, carentes de um aval do Estado para consumar uma atracção. E os pretos são condenados ao gueto da pequena delinquência "romântica" e a expressões de subjugação social, género capoeira ou hip-hop, para consumo, e consolo, do senhor branco.

Tudo isto, afinal, se inscreve na Síndroma Lorosae, conceito que por acaso acabei de inventar. Quando a independência de Timor era por cá "causa" obrigatória, era igualmente obrigatório tratar os timorenses de "dóceis" e "meigos" para baixo (ou para cima, consoante a perspectiva), adjectivos normalmente reservados a cachorrinhos e destinados a suscitar pena universal. Mal se percebeu que os timorenses eram gente e que a sua "docilidade" não os impedia de se chacinarem mutuamente, a "terra do Sol Nascente" saiu das notícias, nas quais, para evitar choques de realidade, as mulheres homicidas e o bom senso nem chegam a entrar
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Alberto Gonçalves

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