quarta-feira, janeiro 20, 2010

Calamidade é o Haiti

"O terramoto no Haiti relembrou uma tragédia que começou muito antes de a terra tremer. Os haitianos, e nisso o consenso impera, são um povo desgraçado. O problema é que, de modo franco ou implícito, usa-se atribuir a desgraça exclusivamente ao remoto colonialismo e, claro (sem trocadilho), ao homem branco, cujo fardo continua a pesar pelos séculos fora. Seria conveniente, sobretudo para os indígenas, que as culpas fossem alargadas a todos os que as têm, inclusive aos indígenas.

Afinal, se é diferente ter sido colonizado por ingleses ou por franceses, é difícil imputar aos brancos as matanças de brancos e a destruição de cultivos que enfeitaram a pioneira independência e deixaram o território, porto de escravos, em mãos, crenças e línguas tribais. Ou os medos e ódios que bloquearam o investimento estrangeiro, impediram sequer o esboço de uma economia e obstaram à emigração. Ou a sucessão de lunáticos e incapazes que tiranizam aquele arremedo de país desde a sua invenção. Até Jared Diamond, assaz citado nos últimos dias pelo destaque dado ao Haiti em Colapso, põe momentaneamente em repouso o "determinismo geográfico" que marca o livro e admite razões políticas e históricas para a situação desesperada de uma gente que, ironicamente, vem sobrevivendo (digamos) a expensas da esmola alheia.

O terramoto apenas tornou a necessidade de esmolas maior e mais urgente, mas o extraordinário caos que se lhe seguiu também deveria ajudar a perceber que o azar dos haitianos é, em larga medida, obra dos próprios, ou dos que neles mandam e mandaram. Ignorar isto em prol da ladainha anti-imperialista é condenar milhões a um destino permanentemente miserável e esporadicamente merecedor de abalos, geológicos e emocionais. No Haiti e não só no Haiti, os sismos matam menos que o paternalismo
."

Alberto Gonçalves

Divulgue o seu blog!