terça-feira, janeiro 12, 2010

Manuel Alegre e a tecnocracia

"O primeiro-ministro gostou muito da entrevista que Manuel Alegre deu, no passado fim-de-semana, ao "Expresso". Ora, isso quer dizer que José Sócrates concorda com boa parte do que o ex-deputado e proto-candidato à presidência da República disse. Convém, por isso, atentar nas opiniões do poeta, para aferir do grau de proximidade entre o seu pensamento e o do Sócrates.

Manuel Alegre acha, por exemplo, que Cavaco Silva está, por assim dizer, a extrapolar as suas funções. O poeta vê no discurso de Ano Novo do chefe de Estado dois perigos: o do presidente da República se intrometer nos assuntos da governação e, por consequência, o de subalternizar o papel da Oposição. Ou seja: Alegre entende que Cavaco não pode questionar as opções do Executivo, aquelas que determinam o futuro do país.

É abusivo pensar que Alegre seria um "cordeirinho" no papel de presidente da República? Talvez. Desde logo porque, numa flagrante contradição, o poeta acaba por reconhecer que ao chefe de Estado cabe "ter capacidade de antecipação, ser ousado nas intervenções e decisões" (sic). Francamente, a conjugação é difícil de alcançar: como pode o mais alto representante da Nação ser, ao mesmo tempo, "ousado nas intervenções e decisões" sem questionar as opções do Executivo?

Manuel Alegre tem, claro, a resposta: do que o país precisa é de uma "visão política, cultural e histórica" e não uma visão "tecnocrática". Neste arrogante tique da Esquerda, cujos sequazes reclamam para si o monopólio da visão "cultural e histórica", se desfaz o equívoco.

O putativo candidato a Belém vê em Cavaco uma espécie de merceeiro, apenas preocupado com as contas (ou o desequilíbrio delas) do país. É isto que, na visão da Esquerda que gosta de Alegre, o palavrão traduz: os tecnocratas só vêem números, não apreciam a leitura profunda, o contemplamento de uma obra de arte, a fina melodia, o poder da língua portuguesa, enfim, esse tipo de prazeres apenas acessíveis a alguns.

De modo que, dando um bocadinho de largas à imaginação, podemos vislumbrar Manuel Alegre sentado num cadeirão do Palácio de Belém a citar, na sua mensagem de Ano Novo, autores atrás de autores, sustentando assim a sua perspectiva "política, cultural e histórica" do futuro do país. Interessa que Portugal esteja prestes a afundar-se económica e financeiramente?

Como não haveria Sócrates de apreciar a entrevista de Manuel Alegre? Ele deseja um chefe de Estado assim como eu desejo ganhar o euromilhões. E eu desejo muito
."

Paulo Ferreira

Divulgue o seu blog!