Nina
Desde há meses para cá temos três colegas novas cá pelo burgo. Não nos perguntem como elas são, porque, tirando a Nina, ainda não reparamos bem nas outras. Digamos que não se pode dizer que a Nina seja uma mulher de estalo em termos de aparência, mas noutros, é de facto. Não haja dúvida disso. É uma mulher que nos tem deixado marcas. Quanto ao aspecto, tem uma cara a fugir para o engraçado e o resto é interessante.
A primeira vez que nos “tocou”, já aconteceu há algum tempo atrás. Estávamos nós numa brilhante e por certo, inesquecível adjectivação da fotocopiadora (que na altura para variar se encontrava avariada), utilizando para o efeito um tom de voz, ao que parece, considerado demasiado alto para a soberba qualidade de semântica utilizada, quando ela apareceu, carregada de manuais até ao nariz. Ao dar a curva, um deles, por sinal o mais volumoso (o que pelas leis da física implica maior peso), saltou-se e caiu em cima do nosso (outrora) pezinho, transformando-o totalmente. Ou seja, passou da medida atlética de 43 para uma boçal alarvidade de 74 (imaginem uma barbatana).
A muito custo conseguimos conter mais uma brilhante sessão de adjectivação, utilizando para o efeito uma semântica técnicista já constante da última actualização de qualquer dicionário moderno, bem como outra, infelizmente ainda desconhecida, a qual, modéstia à parte, seria de bom tom, para não dizer uma grande contribuição para o enriquecimento da nossa língua, incluí-la em futuras actualizações.
Continuando. Estávamos nós a fazer todo o tipo possível e impossível de caretas (invejáveis até para o Mr. Bean), enquanto ela nos observava aflita sem conseguir falar. Finalmente lá conseguiu pedir desculpa, a qual foi prontamente aceite, num colossal esforço para manter a nossa boca fechada e o correspondente despejo de vocábulo, que apesar de condizente com a situação, seria de mau tom para os ouvidos sensíveis de uma senhora e que, por certo, iria deixar a nossa esmerada educação em dúvida.
Efectivamente com a mão aceitámos as suas desculpas e afastámo-nos com muita dificuldade, porque além das dores não estávamos habituados a andar com um pé medindo o quíntuplo do tamanho normal.
Esta foi a primeira vez que ela nos tocou e bem. Só na carteira tocou-nos menos alguns euros em despesas médicas. Mas passados alguns dias, voltou a passar por nós e a tocar-nos. Estávamos nós nas profundezas do arquivo á procura de um relatório, quando um manual de dimensões monstruosas e peso a condizer caiu em cima da nossa pobre cabeça. Claro que não tinha piada ser um manual leve não é?
Quando finalmente acordámos, estávamos sentados no chão, com toda uma colecção de passarinhos coloridos, a voarem à nossa volta, cantando o hino da alegria de Beethoven. Por entre essa passarada simpática, surgiu um rosto avermelhado a pedir-nos imensa desculpa. Impossibilitados de qualquer movimento, excepto ouvir os tais passarinhos cantar, (e não eram quatro da madrugada com diz a canção), ali ficámos até chegar a maca.
Depois disso, para grande alegria da nossa integridade física, três meses passaram sem que ela fosse avistada nas proximidades. Mas um dia ela tornou a aparecer. E apanhando-nos desprevenidos, voltou a tocar-nos. Mas desta vez, para nossa alegria não havia nada pesado que pudesse cair em cima de nós. Com o efeito, ao abrir a porta do elevador para de lá sair, não conseguiu evitar um contacto mais íntimo dela (porta) connosco, dado que íamos a passar por ali naquela altura. Não vale a pena dizer que foi azar porque ninguém ia acreditar. Adiante. Quando finalmente lá conseguimos abrir os olhos, estávamos dentro do elevador. Tínhamos entrado pela porta dentro, ou melhor, a porta é que entrou por nós dentro.
Esta foi a última vez que ela nos tocou. A partir daí, nunca mais a perdemos de vista, Afinal, nem todas as mulheres nos conseguem tocar com tanta intensidade como a Nina.
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