Uma verdade inconveniente
"De que falam os homens quando não têm nada do que falar? De futebol. Ou, exactamente, dos "casos" em que o futebol é fértil: o fora de jogo que não o foi, o golo em que a bola não entrou, o penálti que não se assinalou, o cartão vermelho que não se mostrou, etc. Ou seja, o assunto exclusivo são os erros, inadvertidos ou deliberados, do árbitro. E é por isso que a petição "pela verdade desportiva", uma invenção do jornalista Rui Santos que esta semana mereceu as atenções do dr. Jaime Gama e do presidente da República (um dos subscritores), constitui uma ameaça sem precedentes ao bem-estar de alguns milhões de portugueses.
Sumariamente, a petição pretende aplicar as novas tecnologias às decisões que se tomam em cada partida. Se um sujeito com um apito possui limitada capacidade de avaliação, o recurso ao vídeo, aos sensores e aos microchips compensaria tais limitações e submeteria o jogo a um tribunal instantâneo, capaz de garantir que os resultados não sofrem distorções ilegítimas ou, no calão em uso, que a "verdade desportiva" não é, como certas donzelas incautas, "desvirtuada".
A ideia é bonita. Resta apurar a quem serve. Os que não se interessam por futebol não querem saber se um clube ganha o campeonato à custa de talento ou de oferendas aos "bandeirinhas": por mim, nem faço questão de que haja campeonato. Quanto aos aficionados, as consequências da "verdade desportiva" seriam muito mais danosas. Não falo apenas dos profissionais da imprensa especializada, que sem "casos" preencheriam toneladas de papel com sudoku. Ou dos comentadores televisivos, que estariam condenados a dissertar sobre o "losango" ou ao desemprego. Falo dos cidadãos anónimos, que consolam as segundas-feiras na repartição e no café com discussões acerca das trapalhadas futebolísticas dos dias anteriores. Privado das trapalhadas, o país ficaria repleto de gente em silêncio, a contemplar o insuportável aborrecimento do quotidiano e a ponderar o suicídio. Qualquer palerma diz a verdade, mas só os sensatos mentem bem."
Alberto Gonçalves
Sumariamente, a petição pretende aplicar as novas tecnologias às decisões que se tomam em cada partida. Se um sujeito com um apito possui limitada capacidade de avaliação, o recurso ao vídeo, aos sensores e aos microchips compensaria tais limitações e submeteria o jogo a um tribunal instantâneo, capaz de garantir que os resultados não sofrem distorções ilegítimas ou, no calão em uso, que a "verdade desportiva" não é, como certas donzelas incautas, "desvirtuada".
A ideia é bonita. Resta apurar a quem serve. Os que não se interessam por futebol não querem saber se um clube ganha o campeonato à custa de talento ou de oferendas aos "bandeirinhas": por mim, nem faço questão de que haja campeonato. Quanto aos aficionados, as consequências da "verdade desportiva" seriam muito mais danosas. Não falo apenas dos profissionais da imprensa especializada, que sem "casos" preencheriam toneladas de papel com sudoku. Ou dos comentadores televisivos, que estariam condenados a dissertar sobre o "losango" ou ao desemprego. Falo dos cidadãos anónimos, que consolam as segundas-feiras na repartição e no café com discussões acerca das trapalhadas futebolísticas dos dias anteriores. Privado das trapalhadas, o país ficaria repleto de gente em silêncio, a contemplar o insuportável aborrecimento do quotidiano e a ponderar o suicídio. Qualquer palerma diz a verdade, mas só os sensatos mentem bem."
Alberto Gonçalves
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