quarta-feira, março 31, 2010

Dueto de cordas

"Com Sócrates e Passos Coelho, a política portuguesa é dominada por dois tenores de fino recorte e discurso extremo. Sócrates ameaça com a catástrofe se o PEC for boicotado pela Oposição.

Passos Coelho prevê o desastre se o PEC for concretizado pelo Governo. Sócrates desliza a faca da demissão pela garganta da Oposição. A Oposição engole em seco e garante que não vai andar com um Governo morto ao colo. Se o Governo não morre e a Oposição não mata, o país está condenado a um faz que vai mas não anda até um qualquer e irresistível desenlace final. Entretanto é a realidade de um país em ‘stand-by' à espera que o dinheiro venha de onde vier e que a crise morra de morte natural. Ou talvez não.

Vejamos a questão da crise. Passos Coelho afirma que o PEC representa a ruína iminente e que a única solução para o impasse nacional reside no confronto eleitoral antecipado. Em sintonia com o Presidente da República, Sócrates elogia as virtudes da estabilidade e denuncia o aventureirismo de uma crise política como uma irresponsabilidade lesa-pátria. A conclusão óbvia aponta para uma confluência de interesses entre Belém e São Bento no sentido de gerir esta fase da vida política sem ímpetos e precipitações. Passos Coelho tem de perceber que Cavaco Silva é um institucionalista, moldando o perfil da intervenção política à letra da Constituição e ao espírito da instituição Presidência da República. Ao contrário do consulado de Mário Soares, com Cavaco Silva não existem estratégias de oposição política em que a Presidência é instrumental para a mudança efectiva da cor do Governo. A grande prova política de Passos Coelho consiste na manutenção de uma agressiva moderação e na prática de uma frenética paciência.

A dura realidade demonstra que Portugal vive em permanente ‘jetlag' económico. Com uma dívida per capita de 18 mil euros, com um esforço fiscal de 136% quando comparado com a média da União Europeia, com uma dívida das empresas e das famílias que atinge 159% do PIB, Portugal respira a crédito um tempo emprestado e alimenta uma ilusão verdadeiramente insustentável. Julgando estar mais rico, o país enfrenta agora a perspectiva de uma correcção dolorosa centrada na austeridade e no empobrecimento. Em todos estes anos, só o Estado cresceu em Portugal. Passos Coelho propõe uma mudança de sexo para o Estado em Portugal, uma mudança do género social para o género liberal. A operação promete ser difícil, mas talvez inevitável. A seu tempo, resta saber se existe coragem e vontade política.

Depois de ter esgotado todas as soluções, o PSD resolve finalmente tomar uma decisão que parece ser a mais correcta. Perdidos 15 anos, a escolha do PSD não encerra nenhuma virtude. A eleição de Passos Coelho ainda não representa o fim de nada, quando muito poderá representar o começo de uma nova história. Veremos
."

Carlos Marques de Almeida

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