quarta-feira, março 31, 2010

Entre o bicho come e o bicho pega...

"Se o Programa de Estabilidade e Crescimento for cumprido, a economia portuguesa afunda outra vez. Se o plano não se concretizar, a economia... afunda outra vez. Estamos no mundo em que "se ficarmos o bicho come, se corrermos o bicho pega", como dizem os brasileiros.

Previsões menos sombrias dependem daquele tipo de raciocínios que ouvimos em geral no futebol, do género: "se aquele perder, o outro ganhar e aqueloutro empatar, então teremos um ano melhor."

O clube mais importante, para Portugal como para o euro, é obviamente a Alemanha. Se o governo de Angela Merkel adoptar medidas de expansão da procura interna, o efeito depressivo das políticas de redução do défice público nos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) poderia ser mais do que anulado pelas importações dos alemães.

O cenário da Alemanha a consumir mais é, contudo, muito improvável. Apesar de toda a pressão internacional, Berlim não quer ser expansionista e deseja, também e como sempre, crescer por via das exportações.

E, mesmo que o governo de Merkel estivesse disponível para incentivar a despesa interna, não é certo que os alemães reagissem a esse estímulo. Fica na memória a altura recente em que, anunciado o aumento do IVA na Alemanha, com vários meses de antecedência, os alemães, em vez de correrem às lojas, a antecipar compras, pouparam para enfrentar o futuro agravamento dos impostos.

Os outros clubes são os Estados Unidos e a China. Se os chineses deixarem a sua moeda valorizar e aumentarem ainda mais a sua despesa interna, a Alemanha poderá crescer, como gosta, pelas exportações e arrastar assim o resto da Zona Euro. A valorização do renmimbi permitiria ainda que os norte-americanos ganhassem competitividade dinamizando a sua economia também pela oferta. Mas também este cenário tem uma probabilidade baixa. A China não quer valorizar a moeda.

O único clube que resta é a América dos EUA, na expectativa de que "jogue" como sempre jogou, com a resistência e agilidade que a conseguiu retirar rapidamente das crises e reassumir o papel de locomotiva da economia mundial.

Uma coisa é certa, não vamos conseguir, todos, recuperar a economia pelas exportações. O globo é uma economia fechada, caso ninguém tenha reparado. E, como diz João Rodrigues no blogue Ladrões de Bicicletas, vamos todos, os países do mundo, exportar para onde, para Marte?

Caso os países com excedentes nas contas externas, como a Alemanha, a Holanda e a China, não se convençam de que têm de crescer um pouco mais pela despesa interna para os outros, como Portugal, crescerem, como devem, pelas exportações, uma nova recessão parece inevitável. Mesmo que os Estados Unidos voltem a ser rapidamente os grandes consumidores do mundo, apesar de endividados e porque são a potência imperial, essa retoma não chegará a tempo de evitar um novo mergulho europeu este ano. Claro que a correcção dos desequilíbrios mundiais ficará por resolver e a América lançará o mundo para uma nova crise, alimentada pela sua dívida vestida de inovação financeira.

Em Portugal pouco mais podemos fazer do que cumprir o Programa de Estabilidade, controlando o nosso caminho de arrefecimento da economia em vez de sermos atirados para uma crise descontrolada pelos mercados financeiros. Entre ser comido pelo bicho ou ser agarrado, sempre é melhor ser agarrado. Porque podemos lutar para o bicho nos largar
."

Helena Garrido

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