Desassossego de vida
"A Comissão Arbitral criada para definir as indemnizações aos seis doentes que ficaram cegos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, atribuiu a Walter Bom, o único que ficou sem ver dos dois olhos, antigo cozinheiro, de 48 anos, a indemnização de 246 mil euros, o que dá cerca de 500 euros por mês até ao fim da vida. Para os outros casos foram fixados valores sobre os quais, por uma questão de dignidade humana, me recuso a falar. Fiquemos, então, pelo caso do Walter Bom, que sofreu prejuízos irreparáveis.
A fixação do montante indemnizatório por tais danos deve ser feita segundo juízos de equidade, tendo em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e do lesado e quaisquer outras circunstâncias, bem como as despesas e lucros cessantes. Ao calcular a indemnização deve olhar-se à função social que está presente na reparação e adoptar uma criteriosa e rigorosa ponderação das múltiplas facetas da vida e das várias realidades em que esta se configura.
Na verdade, a indemnização visa facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar social que lhe apaguem ou atenuem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física e, ainda, aquilo que deixou de poder auferir com uma vida activa. O valor encontrado deve sempre assentar na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Cerca de 500 euros por mês até ao fim da vida por lhe terem tirado a visão, por o terem obrigado a aprender uma nova vida, desde o andar, o ler, o conhecer, o sentir, o pensar e o relacionar-se com os outros e com a sociedade não salvaguardam a dignidade da pessoa humana. Cerca de 500 euros por mês por não poder continuar a ser cozinheiro num hotel, para apagar o sofrimento, a dor, as depressões que todos os dias surgem pelo silêncio da noite não é justo. A escuridão que lhe foi imposta à sua alma e vida, proibindo-o de contemplar, vendo as coisas boas, como o rosto das pessoas da sua vida, não se paga com cerca de 500 euros por mês. E muito menos com argumentos imorais e nada éticos caso estes homens e mulheres do meu País não aceitem as verbas arbitradas, baseados na morosidade da justiça e nos valores aí fixados.
Pouco me importa que o valor fixado esteja acima das previsões. Miserável país que trata assim os seus filhos, que o único mal que fizeram foi aqui ter nascido e terem tido o atrevimento de ir procurar ajuda a um hospital público. Entraram no hospital a ver e saíram de lá cegos. ‘O Desassossego’ do nosso Pessoa na pele do nosso Walter. "Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo." "Meu coração dói-me como um corpo estranho. Meu cérebro dorme tudo quanto sinto."
Rui Rangel
A fixação do montante indemnizatório por tais danos deve ser feita segundo juízos de equidade, tendo em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e do lesado e quaisquer outras circunstâncias, bem como as despesas e lucros cessantes. Ao calcular a indemnização deve olhar-se à função social que está presente na reparação e adoptar uma criteriosa e rigorosa ponderação das múltiplas facetas da vida e das várias realidades em que esta se configura.
Na verdade, a indemnização visa facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar social que lhe apaguem ou atenuem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física e, ainda, aquilo que deixou de poder auferir com uma vida activa. O valor encontrado deve sempre assentar na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Cerca de 500 euros por mês até ao fim da vida por lhe terem tirado a visão, por o terem obrigado a aprender uma nova vida, desde o andar, o ler, o conhecer, o sentir, o pensar e o relacionar-se com os outros e com a sociedade não salvaguardam a dignidade da pessoa humana. Cerca de 500 euros por mês por não poder continuar a ser cozinheiro num hotel, para apagar o sofrimento, a dor, as depressões que todos os dias surgem pelo silêncio da noite não é justo. A escuridão que lhe foi imposta à sua alma e vida, proibindo-o de contemplar, vendo as coisas boas, como o rosto das pessoas da sua vida, não se paga com cerca de 500 euros por mês. E muito menos com argumentos imorais e nada éticos caso estes homens e mulheres do meu País não aceitem as verbas arbitradas, baseados na morosidade da justiça e nos valores aí fixados.
Pouco me importa que o valor fixado esteja acima das previsões. Miserável país que trata assim os seus filhos, que o único mal que fizeram foi aqui ter nascido e terem tido o atrevimento de ir procurar ajuda a um hospital público. Entraram no hospital a ver e saíram de lá cegos. ‘O Desassossego’ do nosso Pessoa na pele do nosso Walter. "Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo." "Meu coração dói-me como um corpo estranho. Meu cérebro dorme tudo quanto sinto."
Rui Rangel
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home