quarta-feira, abril 14, 2010

Guerra é Guerra

"O Governo não resiste: nomeia. A Cimpor terá como presidente um socialista, ex-secretário de Estado, um político apontado pelo Governo, um académico sem experiência profissional. É todo um novo sentido para "chairman": é o homem da cadeira.

Da cadeira disponível. Havia uma, à volta da qual dois homens circulavam, à espera que a música acabasse. Até que ambos, Lino e Palha, chocaram. A música acabou. Sentou-se Castro Guerra.

A apreciação cínica reza assim: não está em causa o valor de Castro Guerra, mas o processo que o nomeou. Claro que o problema é o processo. Mas, sem hipocrisias, é também o "curriculum" de quem é nomeado. Se fosse indiscutível, não era discutido.

Castro Guerra é um académico e um político. Tem sido excelente num caso e foi competente no outro. Ninguém o contesta. Mas não tem experiência a gerir empresas. Nem accionistas. Tem o benefício da dúvida pela capacidade de absorção de choques que demonstrou como secretário de Estado de Manuel Pinho. Detestavam-se. Mas Castro Guerra engoliu todos os sapos.

Sacrificou a vaidade em prol da coesão do Governo. O colectivo sobre o individual. Mesmo quando disse uma frase errada - que a culpa das altas tarifas de electricidade é dos consumidores - e Pinho lhe tirou a pasta da energia. Fica este tributo: a abnegação é importante para ser presidente da Cimpor? Então Castro Guerra é o homem certo.

Mas é outro campeonato. Poder ter Palha da Silva e acabar com Castro Guerra é, digamos, poucochinho.

Quer saber quanto vale um gestor? Esqueça por um momento os salários: quando, na sexta-feira, Palha da Silva comunicou que não saía para a Cimpor, as acções da Jerónimo subiram 6,6%. A empresa passou a valer mais 300 milhões de euros. 500 vezes o seu salário anual.

Palha ganha muito? Os accionistas respondem de outra forma: Palha vale muito.
Não se sabe para onde vai Luís Palha, sabe-se para onde não vai: para a Cimpor. Nem, provavelmente, fica na Jerónimo. Tem qualidade e já não tem idade para ser despromovido. Para não comer a carne depois de roer o osso. Se é verdade que os nossos melhores gestores têm procura, Palha está fresco como uma alface, não dura dois meses nesta prateleira do Pingo Doce. Até o preço é baixo.

A Cimpor desperdiçou Palha, evitou Lino e ficou com Guerra. Mas é o processo que o nomeia, dizíamos, o maior dos problemas.

A Cimpor nem sequer é do Estado nem do banco que o carrega, como aqui escrevi na sexta. É, em rigor, uma empresa dominada por brasileiros. Mas o pior é a perpetuação desta nomeação de políticos, de que PS e PSD (e CDS) têm abusado, fazendo da Caixa a sua cama-elástica profissional. E que elástica ela é.

Estar num Governo não pode ser o fim de carreira para um ministro, até porque nem se enriquece lá. Mas também não pode ser o início dessa carreira, a partir da qual se ganha dinheiro. Todos esperamos que Castro Guerra mereça cada cêntimo dos milhares de euros do seu salário, que tanto escandalizam os seus amigos do Governo. Mas precisa de provar.

A Cimpor tem sido vítima de circunstâncias que têm trucidado. Não precisa de ser dote. Nem as empresas podem ser dadas como recompensa por serviços prestados à pátria. Se um Governo é passado, uma empresa é futuro.

Cheira a fim de festa no PS. Os melhores abeiram-se das cadeiras disponíveis antes que seja tarde. Visto de fora, não se acredita. E todavia, faz-se: guerra é guerra. Acabou-se a música, vamos ao trabalho.
"

Pedro Santos Guerreiro

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