A revolta dos privados contra o Estado
"O Governo quer reduzir os salários dos gestores. E preparou uma proposta sem precedentes: cortar bónus, reduzir salários, impor tectos aos prémios. Uma proposta-bomba, sem precedentes. Mas este rastilho não tem dinamite: a bomba é apenas de mau cheiro. Sente-se, incomoda, mas é irrelevante. EDP, PT, Galp, Zon e Cimpor vão ou ignorá-la ou chumbá-la.
A proposta foi apresentada a destempo pela Parpública e como um contratempo pela Caixa. Não passará. Ontem, o João Cândido da Silva aqui escrevia que a proposta tinha tantas possibilidades de ser aprovada nas assembleias-gerais como as de um camelo passar pelo buraco de uma agulha. Nem é preciso tentar: o camelo nem vai à Assembleia-geral.
Hoje é a EDP e a PT, que não têm sequer a proposta em agenda. Rui Pena, presidente da Assembleia da EDP, explica porquê: o Estado, mesmo tendo 25% da EDP, não decide salários; aprova ou rejeita propostas da comissão de vencimentos. São essas as boas práticas. Práticas que o próprio Estado desejou para empresas como a EDP.
O Estado fartou-se de boas práticas. Até aqui, era boa prática ter comissões de vencimentos que mediassem o espaço entre accionistas e administradores; era boa prática ter remuneração variável para incentivar o desempenho; era boa prática ter prémios plurianuais que privilegiassem o longo prazo. Mas agora é estorvo: as comissões de vencimentos são entraves ao intervencionismo estatal, os prémios têm de ser pequenos ou inexistir, os prémios plurianuais tornam os salários chocantes ao terceiro ano.
Até nas empresas 100% públicas as boas práticas caíram em desgraça. Num rasgo de modernidade, o Governo criara o estatuto do gestor público e passou a assinar contratos de gestão com as administrações, definindo prémios por objectivos. Agora, rasga os contratos. Os presidentes da Carris e dos CTT ultrapassaram os objectivos, mediante os quais receberiam prémios. Mas o Estado só assinou os contratos, não assinou os cheques: levam zero. E não estamos a falar de ordenados de sete dígitos, como nas cotadas, mas de cinco dígitos.
Dizem que o Estado é uma pessoa de bem, mas o Estado não é bem uma pessoa: é várias. Às segundas, quartas e sextas quer uma coisa, às terças e quintas professa outra, aos sábados vocifera e aos domingos adormece. Personalidades múltiplas? Não: falta de personalidade. E assim se presta a levar com a porta na cara. É o que lhe fazem as grandes empresas cotadas: nem avaliam a proposta.
O Estado pode ser temerário mas não é temido. Aceita o papel de cão que ladra mas não morde, fazendo corte a caravanas que passam. Porque, no fundo, o Estado nunca quis limitar salários nestas empresas, apenas parecer que o desejava. Se quiser, manda marcar hoje mesmo uma nova assembleia-geral extraordinária da EDP com esse tema em agenda.
Sócrates não será Obama sendo banana. Esta súbita indignação do Estado para baixar salários e taxar prémios está a concretizar-se em zero, muito barulho por nada, uma espingarda socializante com pólvora seca. O Governo não está interessado na moral das intenções, está a erguer um mural de atenções. E já ninguém o leva a sério.
A proposta do Estado de baixar os salários será tratada pelos accionistas como uma anedota. Sem vontade de rir."
Pedro Santos Guerreiro
A proposta foi apresentada a destempo pela Parpública e como um contratempo pela Caixa. Não passará. Ontem, o João Cândido da Silva aqui escrevia que a proposta tinha tantas possibilidades de ser aprovada nas assembleias-gerais como as de um camelo passar pelo buraco de uma agulha. Nem é preciso tentar: o camelo nem vai à Assembleia-geral.
Hoje é a EDP e a PT, que não têm sequer a proposta em agenda. Rui Pena, presidente da Assembleia da EDP, explica porquê: o Estado, mesmo tendo 25% da EDP, não decide salários; aprova ou rejeita propostas da comissão de vencimentos. São essas as boas práticas. Práticas que o próprio Estado desejou para empresas como a EDP.
O Estado fartou-se de boas práticas. Até aqui, era boa prática ter comissões de vencimentos que mediassem o espaço entre accionistas e administradores; era boa prática ter remuneração variável para incentivar o desempenho; era boa prática ter prémios plurianuais que privilegiassem o longo prazo. Mas agora é estorvo: as comissões de vencimentos são entraves ao intervencionismo estatal, os prémios têm de ser pequenos ou inexistir, os prémios plurianuais tornam os salários chocantes ao terceiro ano.
Até nas empresas 100% públicas as boas práticas caíram em desgraça. Num rasgo de modernidade, o Governo criara o estatuto do gestor público e passou a assinar contratos de gestão com as administrações, definindo prémios por objectivos. Agora, rasga os contratos. Os presidentes da Carris e dos CTT ultrapassaram os objectivos, mediante os quais receberiam prémios. Mas o Estado só assinou os contratos, não assinou os cheques: levam zero. E não estamos a falar de ordenados de sete dígitos, como nas cotadas, mas de cinco dígitos.
Dizem que o Estado é uma pessoa de bem, mas o Estado não é bem uma pessoa: é várias. Às segundas, quartas e sextas quer uma coisa, às terças e quintas professa outra, aos sábados vocifera e aos domingos adormece. Personalidades múltiplas? Não: falta de personalidade. E assim se presta a levar com a porta na cara. É o que lhe fazem as grandes empresas cotadas: nem avaliam a proposta.
O Estado pode ser temerário mas não é temido. Aceita o papel de cão que ladra mas não morde, fazendo corte a caravanas que passam. Porque, no fundo, o Estado nunca quis limitar salários nestas empresas, apenas parecer que o desejava. Se quiser, manda marcar hoje mesmo uma nova assembleia-geral extraordinária da EDP com esse tema em agenda.
Sócrates não será Obama sendo banana. Esta súbita indignação do Estado para baixar salários e taxar prémios está a concretizar-se em zero, muito barulho por nada, uma espingarda socializante com pólvora seca. O Governo não está interessado na moral das intenções, está a erguer um mural de atenções. E já ninguém o leva a sério.
A proposta do Estado de baixar os salários será tratada pelos accionistas como uma anedota. Sem vontade de rir."
Pedro Santos Guerreiro
1 Comments:
"É mais fácil um camelo passar pelo fundo (buraco) de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus". Sempre estranhei porque foi escolhido um camelo para esta parábola. Afinal parece que em grego, de onde essa parábola terá sido traduzida, "camelus" é a corda grossa que amarra o barco ao cais. Assim faz todo o sentido...
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