Governos da zona euro intensificam luta com os mercados
"Os governos arriscam tudo numa única cartada no seu jogo com os mercados financeiros.
O pacote que anunciaram no passado fim-de-semana é dramático, mas o que realmente importa saber é se é mais do que uma solução temporária. Não. A zona euro falhou nos moldes em que foi idealizada originalmente e só poderá ser bem sucedida se proceder a uma reforma radical.
Qual é o plano? Primeiro, os governos europeus disponibilizaram 500 mil milhões de euros: 440 mil milhões em garantias aos estados membros em dificuldade e uma ajuda à balança de pagamentos através do mecanismo europeu de estabilização, no valor de 60 mil milhões. Segundo, o Fundo Monetário Internacional vai, aparentemente, contribuir com 250 mil milhões de euros adicionais. Terceiro, o Banco Central Europeu, para grande pesar do presidente do Bundesbank, Axel Weber, decidiu comprar as obrigações dos membros que têm sido alvo de ataques especulativos. Por último, a Reserva Federal americana reabriu as linhas de ‘swap' para que os bancos estrangeiros tenham acesso a financiamento em dólares uma reacção motivada pelo pânico em resposta ao pânico dos mercados.
Será que o plano vai funcionar? Partindo do pressuposto que vai ser ratificado, a resposta deveria ser "sim", tal como concluíram os mercados, uma vez que encarece significativamente os custos de apostar contra a dívida de Estados fragilizados. A dívida pública da zona euro é ligeiramente inferior à dos EUA, face ao Produto Interno Bruto (PIB). Os governos com maior solvabilidade financeira podem, se assim decidirem, apoiar os que apresentam níveis de solvabilidade mais baixos. Pelo menos por ora.
Por que razão uma intervenção tão radical foi tida como necessária quando acabou por ser muito diferente da preconizada inicialmente? É neste ponto que temos de recuar à génese do projecto da união monetária, assente em três pressupostos. Primeiro, restrições orçamentais claramente definidas no tratado. Segundo, e no caso destas falharem, a cláusula ‘no bail-out' desempenharia o papel de travão. Terceiro, as economias dos seus membros iriam convergir com o passar do tempo. Ora bem, nenhum deles se materializou.
Em primeiro lugar, ficou provado que os limites definidos para o défice orçamental são ineficientes, além de irrelevantes. Ineficientes porque foram ignorados quando deviam ser vinculativos. Uma verdade gritante no caso da Grécia, que forjou os números durante anos. Irrelevantes porque alguns países que hoje têm défices elevados, como Espanha, cumpriram facilmente os critérios orçamentais, na condição da sua "economia bolha" continuar a expandir-se. Ora, Espanha encerrou 2005, 2006 e 2007 com excedente orçamental.
Em segundo lugar, os mercados, durante muito tempo, não prestaram atenção ao agravamento da fragilidade orçamental, atribuindo às obrigações da zona euro ‘ratings' similares. Paul De Grauwe, da Universidade de Lovaina, faz um comentário mordaz num artigo para o Centre for European Policy Studies: "A crise da dívida pública teve origem na prodigalidade de vastos segmentos do sector privado e do sector financeiro, em particular".
Os mercados financeiros financiaram a orgia, mas agora que é preciso arrumar a casa cedem ao pânico e recusam-se a financiar a "operação de limpeza". Resumindo, agiram pró-ciclicamente em todas as etapas.
Em terceiro lugar, a história da economia da zona euro tem sido, consequentemente, de divergência e não de convergência. Os défices externos mascararam a expansão de países com elevados excedentes da BTC e correspondente exportação de capital, como a Alemanha, e a retracção de outros, nomeadamente Espanha. Nos países onde a procura era fraca e os níveis de inflação baixos, as taxas de juro reais eram altas. No caso inverso, as taxas de juro eram baixas. Resultado? Além dos défices orçamentais terem crescido, urge repor a competitividade. Na zona euro, isto só é possível reduzindo os salários, aumentando a produtividade para níveis superiores aos da Alemanha - o que vai agravar o desemprego -, ou ambas as coisas.
Os governos procuram agora gerir as consequências da crise. Porém, ao descartarem o incumprimento estão, implicitamente, a proteger o sector financeiro da sua estupidez e a obrigar a população dos países endividados a pagar a factura. Será um acordo aceitável se os países em dificuldade não regressarem ao crescimento? Dificilmente.
Para onde vamos agora? Antes de mais, temos de reconhecer que nos limitámos a ganhar tempo. Na primeira crise real que a zona euro enfrenta, os governos tentaram tudo para evitar incumprimentos à medida que o financiamento escasseava. Agora, chegou a hora de tomar decisões importantes.
A primeira, e a mais fundamental, passa por definir se avançamos para uma maior integração ou para a desintegração. Ora, a resposta está na primeira. É óbvio que podemos imaginar um regresso às moedas nacionais, mas isso levaria à implosão do sistema financeiro, uma vez que as relações entre os activos e os passivos, actualmente em euros, se tornariam extremamente incertas. Além disso, haveria uma fuga de capital massiva para os bancos dos países considerados seguros.
A segunda implica definir como se vai gerir a divergência. A zona euro não pode depender apenas dos mercados. Terá de vigiar a divergência durante os ciclos de expansão e amortecer os ajustamentos nos ciclos de contracção. Para isso, é essencial que haja um fundo monetário. Essa vigilância também deve influenciar as políticas das economias com fraca procura, bem como as que apresentam excesso de procura. As primeiras têm de compreendê-lo: para quê acumular activos estrangeiros inúteis?
A terceira pressupõe criar mecanismos que facilitem mudanças na competitividade. Por outras palavras, é preciso reformar o mercado de trabalho, o que pressupõe, eventualmente, meios legais para efectuar um ajustamento pontual dos salários nominais.
A quarta decisão prende-se com o reforço da solidariedade e como fazê-lo. O ‘think-tank' Bruegel, sediado em Bruxelas, avançou com uma proposta interessantes: os países da zona euro deveriam reunir num fundo comum até 60% do PIB da dívida nacional para criarem um dos dois maiores mercados mundiais de dívida pública.
A última passa por definir como será reestruturado o excesso de dívida. É preciso fazê-lo. A alternativa daria origem a um vasto ‘moral hazard', não entre os políticos como até aqui se receava, mas entre os financeiros.
Como referiu, e bem, o meu colega Wolfgang Münchau, chegou o momento da verdade, especialmente para Berlim. A sobrevivência da zona euro é uma das metas a longo prazo da Alemanha, por razões que vão além do corolário que foi a política do pós-guerra no sentido da integração europeia.
A união monetária também protegeu a competitividade da indústria alemã, permitindo que a sua economia crescesse apesar da estagnação da procura interna.
A Alemanha tende a acreditar que tudo correria bem se os países deficitários fossem submetidos a uma disciplina mais rigorosa. Errado. A resposta passa, isso sim, por criar um sistema que reconheça e reaja à realidade. Deve ser mudado para contemplar a divergência, facilitar a reestruturação da dívida e promover o ajustamento económico. A alternativa a isto é o fracasso. Agora, é preciso coragem para fazer uma reforma sensata."
Martin Wolf
O pacote que anunciaram no passado fim-de-semana é dramático, mas o que realmente importa saber é se é mais do que uma solução temporária. Não. A zona euro falhou nos moldes em que foi idealizada originalmente e só poderá ser bem sucedida se proceder a uma reforma radical.
Qual é o plano? Primeiro, os governos europeus disponibilizaram 500 mil milhões de euros: 440 mil milhões em garantias aos estados membros em dificuldade e uma ajuda à balança de pagamentos através do mecanismo europeu de estabilização, no valor de 60 mil milhões. Segundo, o Fundo Monetário Internacional vai, aparentemente, contribuir com 250 mil milhões de euros adicionais. Terceiro, o Banco Central Europeu, para grande pesar do presidente do Bundesbank, Axel Weber, decidiu comprar as obrigações dos membros que têm sido alvo de ataques especulativos. Por último, a Reserva Federal americana reabriu as linhas de ‘swap' para que os bancos estrangeiros tenham acesso a financiamento em dólares uma reacção motivada pelo pânico em resposta ao pânico dos mercados.
Será que o plano vai funcionar? Partindo do pressuposto que vai ser ratificado, a resposta deveria ser "sim", tal como concluíram os mercados, uma vez que encarece significativamente os custos de apostar contra a dívida de Estados fragilizados. A dívida pública da zona euro é ligeiramente inferior à dos EUA, face ao Produto Interno Bruto (PIB). Os governos com maior solvabilidade financeira podem, se assim decidirem, apoiar os que apresentam níveis de solvabilidade mais baixos. Pelo menos por ora.
Por que razão uma intervenção tão radical foi tida como necessária quando acabou por ser muito diferente da preconizada inicialmente? É neste ponto que temos de recuar à génese do projecto da união monetária, assente em três pressupostos. Primeiro, restrições orçamentais claramente definidas no tratado. Segundo, e no caso destas falharem, a cláusula ‘no bail-out' desempenharia o papel de travão. Terceiro, as economias dos seus membros iriam convergir com o passar do tempo. Ora bem, nenhum deles se materializou.
Em primeiro lugar, ficou provado que os limites definidos para o défice orçamental são ineficientes, além de irrelevantes. Ineficientes porque foram ignorados quando deviam ser vinculativos. Uma verdade gritante no caso da Grécia, que forjou os números durante anos. Irrelevantes porque alguns países que hoje têm défices elevados, como Espanha, cumpriram facilmente os critérios orçamentais, na condição da sua "economia bolha" continuar a expandir-se. Ora, Espanha encerrou 2005, 2006 e 2007 com excedente orçamental.
Em segundo lugar, os mercados, durante muito tempo, não prestaram atenção ao agravamento da fragilidade orçamental, atribuindo às obrigações da zona euro ‘ratings' similares. Paul De Grauwe, da Universidade de Lovaina, faz um comentário mordaz num artigo para o Centre for European Policy Studies: "A crise da dívida pública teve origem na prodigalidade de vastos segmentos do sector privado e do sector financeiro, em particular".
Os mercados financeiros financiaram a orgia, mas agora que é preciso arrumar a casa cedem ao pânico e recusam-se a financiar a "operação de limpeza". Resumindo, agiram pró-ciclicamente em todas as etapas.
Em terceiro lugar, a história da economia da zona euro tem sido, consequentemente, de divergência e não de convergência. Os défices externos mascararam a expansão de países com elevados excedentes da BTC e correspondente exportação de capital, como a Alemanha, e a retracção de outros, nomeadamente Espanha. Nos países onde a procura era fraca e os níveis de inflação baixos, as taxas de juro reais eram altas. No caso inverso, as taxas de juro eram baixas. Resultado? Além dos défices orçamentais terem crescido, urge repor a competitividade. Na zona euro, isto só é possível reduzindo os salários, aumentando a produtividade para níveis superiores aos da Alemanha - o que vai agravar o desemprego -, ou ambas as coisas.
Os governos procuram agora gerir as consequências da crise. Porém, ao descartarem o incumprimento estão, implicitamente, a proteger o sector financeiro da sua estupidez e a obrigar a população dos países endividados a pagar a factura. Será um acordo aceitável se os países em dificuldade não regressarem ao crescimento? Dificilmente.
Para onde vamos agora? Antes de mais, temos de reconhecer que nos limitámos a ganhar tempo. Na primeira crise real que a zona euro enfrenta, os governos tentaram tudo para evitar incumprimentos à medida que o financiamento escasseava. Agora, chegou a hora de tomar decisões importantes.
A primeira, e a mais fundamental, passa por definir se avançamos para uma maior integração ou para a desintegração. Ora, a resposta está na primeira. É óbvio que podemos imaginar um regresso às moedas nacionais, mas isso levaria à implosão do sistema financeiro, uma vez que as relações entre os activos e os passivos, actualmente em euros, se tornariam extremamente incertas. Além disso, haveria uma fuga de capital massiva para os bancos dos países considerados seguros.
A segunda implica definir como se vai gerir a divergência. A zona euro não pode depender apenas dos mercados. Terá de vigiar a divergência durante os ciclos de expansão e amortecer os ajustamentos nos ciclos de contracção. Para isso, é essencial que haja um fundo monetário. Essa vigilância também deve influenciar as políticas das economias com fraca procura, bem como as que apresentam excesso de procura. As primeiras têm de compreendê-lo: para quê acumular activos estrangeiros inúteis?
A terceira pressupõe criar mecanismos que facilitem mudanças na competitividade. Por outras palavras, é preciso reformar o mercado de trabalho, o que pressupõe, eventualmente, meios legais para efectuar um ajustamento pontual dos salários nominais.
A quarta decisão prende-se com o reforço da solidariedade e como fazê-lo. O ‘think-tank' Bruegel, sediado em Bruxelas, avançou com uma proposta interessantes: os países da zona euro deveriam reunir num fundo comum até 60% do PIB da dívida nacional para criarem um dos dois maiores mercados mundiais de dívida pública.
A última passa por definir como será reestruturado o excesso de dívida. É preciso fazê-lo. A alternativa daria origem a um vasto ‘moral hazard', não entre os políticos como até aqui se receava, mas entre os financeiros.
Como referiu, e bem, o meu colega Wolfgang Münchau, chegou o momento da verdade, especialmente para Berlim. A sobrevivência da zona euro é uma das metas a longo prazo da Alemanha, por razões que vão além do corolário que foi a política do pós-guerra no sentido da integração europeia.
A união monetária também protegeu a competitividade da indústria alemã, permitindo que a sua economia crescesse apesar da estagnação da procura interna.
A Alemanha tende a acreditar que tudo correria bem se os países deficitários fossem submetidos a uma disciplina mais rigorosa. Errado. A resposta passa, isso sim, por criar um sistema que reconheça e reaja à realidade. Deve ser mudado para contemplar a divergência, facilitar a reestruturação da dívida e promover o ajustamento económico. A alternativa a isto é o fracasso. Agora, é preciso coragem para fazer uma reforma sensata."
Martin Wolf
3 Comments:
Países seguros em termos financeiros?
Isso é acreditar que os mercados se auto regulam.
Que não houve bolha imobiliária, que Wall Street e o Fed são entidades honestas, ora são muitos ses.
A Alemanha está mesmo interessada no Euro ou apenas no seu umbigo?
Afinal pode faltar uma solução que é a desintegração e a criação de uma zona dos chamados países do sul e uma zona dos países de influência alemã.
Porque o problema persiste e as dividas podem pura e simplesmente não se pagar, já aconteceu e é interessante a visão.
Afinal deve-se a quem?
A falsários e a sujeitos que fizeram da fraude financeira uma coisa legal.
Basta ver as comissºoes do senado norte americano e já nem falo na especulação levada a cabo por austríacos, alemães e, olhem tudo embrulhado dá um único embrulho e mais não digo pode ofender os bem pensantes.
O artigo é extenso demais para dizer pouco.
"Se estamos condenados a seguir o mesmo caminho dos gregos então comecemos por envenenar Sócrates"
hehehe
Desde quando o sector financeiro é estúpido, alguém acredita nessa afirmação?
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