terça-feira, julho 13, 2010

O interesse nacional

"A OCDE afirma que Portugal terá de criar 170 mil empregos para, cito, anular os efeitos da crise. Naturalmente, a OCDE não explica como se consegue tal milagre. Pior ainda, não justifica que o milagre seja de facto necessário.

À semelhança da morte anunciada de Mark Twain, o drama produzido a pretexto do desemprego parece-me bastante exagerado. De quem falamos quando falamos dos 600 mil sujeitos sem trabalho? Sinceramente, não faço ideia, em parte porque a crueza dos números anula os indivíduos, em parte porque os indivíduos em causa sempre foram assaz anuláveis. Mesmo que desçamos da generalização estatística para a mais humana dimensão individual, continuamos na ignorância acerca de cada um dos desempregados. No máximo, percebemos tratar-se do João, metalúrgico do Cacém, e da Emília, escriturária de Santo Tirso. Porém, o que sabemos realmente do João e da Emília?

Nada, excepto o pormenor de não haver nada que deles importe saber.

As pessoas que importam, as pessoas que, graças à família, aos amigos ou aos partidos, são alguém, essas estão dignamente colocadas nos empregos que Portugal, leia-se o Estado, leia-se o sistema político, tem-se esforçado com sucesso para criar - e criar, no sentido de produzir a partir do zero, é o termo. Não se pode acusar os senhores que mandam nisto de deixarem cair os parentes na lama. Os parentes caem por exemplo na PT, e é um exercício compensador inventariar os cargos ali optimamente remunerados de filhos, irmãos, cônjuges, primos, genros e simples alter-egos das sumidades que, por estes dias, saíram a defender o "interesse nacional" contra a oferta da espanhola Telefónica.

É escusado acrescentar que, de tão irrelevante, o futuro profissional do João e da Emília não cabe no "interesse nacional", mas apenas no interesse deles próprios. E isso só não revela um egoísmo atroz na medida em que o João e a Emília provavelmente integram os 64% de cidadãos anónimos que, segundo sondagem recente, defendem a golden share. E muito bem: primeiro, o País
."

Alberto Gonçalves

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