sexta-feira, fevereiro 18, 2011

A encruzilhada

"1) A moção de censura pré-anunciada pelo BE é uma forma curiosa de brindar os seis anos de Governo Sócrates. O balanço é fácil e simples de fazer. Sócrates não resolveu nenhum problema estrutural desde 2005: a competitividade da economia portuguesa continua estagnada, a consolidação orçamental está por fazer (o pseudo milagre de 2008 feito à custa de receitas extraordinárias e desorçamentação esfumou-se logo em 2009), não há melhorias significativas na educação e na saúde, a racionalização da Administração Pública não se fez, a crise das instituições agravou-se, e a justiça piorou de forma possivelmente para além do remediável. Claro que houve coisas que correram bem aqui e ali. Por exemplo, tanto Maria Manuel Leitão Marques como João Tiago Silveira têm desenvolvido um programa reformista bastante positivo na área das desburocratização, da consolidação legislativa e mesmo com passos tímidos na avaliação legislativa. Mas são claras excepções num Governo absurdo. Globalmente, se o primeiro Governo Sócrates foi uma oportunidade perdida, o segundo Governo Sócrates limita-se a uma gestão conjuntural sem estratégia e meramente apostado na pura táctica imediatista da sobrevivência pela sobrevivência.

(2) Apesar da mais absoluta mediocridade dos resultados de seis anos de Governo, Sócrates tem duas grandes vantagens. A primeira é que a grande maioria do eleitorado centrista e moderado sabe que nada teria sido muito diferente com um Governo PSD-CDS. Para além de questões de estilo e de personalidade (que também são relevantes mas não fundamentais), é evidente que com ou sem Sócrates, os problemas estruturais são o que são. Os Governos Durão-Santana-Portas foram simplesmente um desastre para esquecer. E nos últimos anos nunca o PSD nem o CDS explicaram como resolver os estrangulamentos da economia e da sociedade portuguesa que Sócrates se limitou a ver passar (no intervalo da propaganda lunática de uma realidade que nunca existiu). Basta lembrar os programas eleitorais em 2009 para perceber que o verdadeira problema não é o PS, mas a falta de alternativa.

A segunda vantagem de Sócrates é que a direita que fala agora de grandes reformas e de fazer diferente do PS ainda não apresentou nenhum programa político. Diz que este é um Governo abjecto mas depois, contra toda a lógica, mantém Sócrates no poder. Só faz sentido porque não há nenhum projecto alternativo. Quando passamos da retórica e das piedosas intenções ao concreto das políticas públicas, temos um vazio completo. Evidentemente que o PSD e o CDS prometem surpresas para breve. Pode ser que sim. Mas os trinta anos de democracia ensinaram-nos que o "Mais Sociedade, Portugal faz-se consigo" do PSD não vai ser muito diferente das Novas Fronteiras do PS. Ou seja, muita conversa, muitas promessas, poucas reformas, nulos resultados.

(3) A questão fundamental é que Portugal está numa encruzilhada há dez anos e não consegue sair dela. A diferença é que esteve durante muito tempo ao lado mas agora sentou-se em cima do abismo económico. A crise internacional limitou-se a antecipar o inevitável que o PS e o PSD teimaram em não querer solucionar quando era adequado. Junta-se uma crise política derivada de um regime descredibilizado e institucionalmente deficiente.

Temos um regime que não é nem presidencialista, nem parlamentar, nem semi-presidencialista. Temos um Governo que não tem a confiança nem do Parlamento nem do Presidente, ambos directamente eleitos pelo povo, mas que continua em funções por um conjunto de aberrações constitucionais únicas e idiossincráticas. Um regime político que está moribundo mas ninguém parece interessado em solucionar. E, contudo, é bem provável que nenhum dos problemas estruturais de que padece Portugal possa ser efectivamente resolvido com o actual desenho institucional.

(4) Falar da moção de censura construtiva neste contexto é aprofundar a aberração constitucional que temos. A moção de censura construtiva existe em países em que o Governo é eleito pelo Parlamento. Logicamente, se o Parlamento quer censurar o Governo que elegeu, pede-se que indique um novo Governo. Ora o nosso caso é muito diferente. Temos um Governo que não é eleito pelo Parlamento. Temos um Governo que não tem que pedir a confiança do Parlamento para governar. Não tem nenhuma lógica política que só possa ser censurado pelo Parlamento se o Parlamento eleger um Governo substituto (poder que esse mesmo Parlamento não teve em relação ao Governo que pretende censurar).

Podemos pensar que o regime deveria evoluir para um sistema parlamentar (com um Governo eleito pelo Parlamento e um Presidente meramente decorativo) ou para um sistema presidencial (com um Presidente que governa). O que está é uma pura aberração constitucional feito à medida do PS. A moção de censura construtiva limita-se a aprofundar a crise institucional em que vivemos. Que isso agrade ao PS percebe-se. O que é de lamentar é que a direita não entenda que com este desenho institucional não irá muito longe
."

Nuno Garoupa

1 Comments:

Blogger Lince said...

Pois mas o problema é que temos uma Constituição que é uma aberração.
Este regime é uma aberração.
Chamar a isto de democracia é louvável se comparado com Angola ou a Guiné.
O diagnóstico está feito, o tratamento não me parece ser outro senão, abater os políticos da partidocracia ou para não ser muito violento prender os corruptos e os cúmplices inclusivé os do poder judicial.
Portanto, pondo a coisa de forma clara, estamos tramados, as armas são carregadas com balas de salva,e ninguém os vai prender e assim morrer lentamente é melhor.
O Senhor Garoupa, nome de peixe de águas profundas, gosta mais do PS um pouco do da chamada direita, só que isso não existe, direita e esquerda, existem é interesses de poder e jogos de poder, e o Senhor Garoupa, não sei se é analista, se jornalista político, daí ainda cair na coisa do clubismo.
Aberrações não faltam, por exemplo o tempo que leva a tomar posse o PR que não fa z falta nenhuma ao país, daí preferir a monarquia, o Rei é pelo menos, o Rei dos Portugueses, mas os bombistas republicanos não quiseram e os netos e bisnetos também.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011  

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