A encruzilhada
"1) A moção de censura pré-anunciada pelo BE é uma forma curiosa de brindar os seis anos de Governo Sócrates. O balanço é fácil e simples de fazer. Sócrates não resolveu nenhum problema estrutural desde 2005: a competitividade da economia portuguesa continua estagnada, a consolidação orçamental está por fazer (o pseudo milagre de 2008 feito à custa de receitas extraordinárias e desorçamentação esfumou-se logo em 2009), não há melhorias significativas na educação e na saúde, a racionalização da Administração Pública não se fez, a crise das instituições agravou-se, e a justiça piorou de forma possivelmente para além do remediável. Claro que houve coisas que correram bem aqui e ali. Por exemplo, tanto Maria Manuel Leitão Marques como João Tiago Silveira têm desenvolvido um programa reformista bastante positivo na área das desburocratização, da consolidação legislativa e mesmo com passos tímidos na avaliação legislativa. Mas são claras excepções num Governo absurdo. Globalmente, se o primeiro Governo Sócrates foi uma oportunidade perdida, o segundo Governo Sócrates limita-se a uma gestão conjuntural sem estratégia e meramente apostado na pura táctica imediatista da sobrevivência pela sobrevivência.
(2) Apesar da mais absoluta mediocridade dos resultados de seis anos de Governo, Sócrates tem duas grandes vantagens. A primeira é que a grande maioria do eleitorado centrista e moderado sabe que nada teria sido muito diferente com um Governo PSD-CDS. Para além de questões de estilo e de personalidade (que também são relevantes mas não fundamentais), é evidente que com ou sem Sócrates, os problemas estruturais são o que são. Os Governos Durão-Santana-Portas foram simplesmente um desastre para esquecer. E nos últimos anos nunca o PSD nem o CDS explicaram como resolver os estrangulamentos da economia e da sociedade portuguesa que Sócrates se limitou a ver passar (no intervalo da propaganda lunática de uma realidade que nunca existiu). Basta lembrar os programas eleitorais em 2009 para perceber que o verdadeira problema não é o PS, mas a falta de alternativa.
A segunda vantagem de Sócrates é que a direita que fala agora de grandes reformas e de fazer diferente do PS ainda não apresentou nenhum programa político. Diz que este é um Governo abjecto mas depois, contra toda a lógica, mantém Sócrates no poder. Só faz sentido porque não há nenhum projecto alternativo. Quando passamos da retórica e das piedosas intenções ao concreto das políticas públicas, temos um vazio completo. Evidentemente que o PSD e o CDS prometem surpresas para breve. Pode ser que sim. Mas os trinta anos de democracia ensinaram-nos que o "Mais Sociedade, Portugal faz-se consigo" do PSD não vai ser muito diferente das Novas Fronteiras do PS. Ou seja, muita conversa, muitas promessas, poucas reformas, nulos resultados.
(3) A questão fundamental é que Portugal está numa encruzilhada há dez anos e não consegue sair dela. A diferença é que esteve durante muito tempo ao lado mas agora sentou-se em cima do abismo económico. A crise internacional limitou-se a antecipar o inevitável que o PS e o PSD teimaram em não querer solucionar quando era adequado. Junta-se uma crise política derivada de um regime descredibilizado e institucionalmente deficiente.
Temos um regime que não é nem presidencialista, nem parlamentar, nem semi-presidencialista. Temos um Governo que não tem a confiança nem do Parlamento nem do Presidente, ambos directamente eleitos pelo povo, mas que continua em funções por um conjunto de aberrações constitucionais únicas e idiossincráticas. Um regime político que está moribundo mas ninguém parece interessado em solucionar. E, contudo, é bem provável que nenhum dos problemas estruturais de que padece Portugal possa ser efectivamente resolvido com o actual desenho institucional.
(4) Falar da moção de censura construtiva neste contexto é aprofundar a aberração constitucional que temos. A moção de censura construtiva existe em países em que o Governo é eleito pelo Parlamento. Logicamente, se o Parlamento quer censurar o Governo que elegeu, pede-se que indique um novo Governo. Ora o nosso caso é muito diferente. Temos um Governo que não é eleito pelo Parlamento. Temos um Governo que não tem que pedir a confiança do Parlamento para governar. Não tem nenhuma lógica política que só possa ser censurado pelo Parlamento se o Parlamento eleger um Governo substituto (poder que esse mesmo Parlamento não teve em relação ao Governo que pretende censurar).
Podemos pensar que o regime deveria evoluir para um sistema parlamentar (com um Governo eleito pelo Parlamento e um Presidente meramente decorativo) ou para um sistema presidencial (com um Presidente que governa). O que está é uma pura aberração constitucional feito à medida do PS. A moção de censura construtiva limita-se a aprofundar a crise institucional em que vivemos. Que isso agrade ao PS percebe-se. O que é de lamentar é que a direita não entenda que com este desenho institucional não irá muito longe."
Nuno Garoupa
(2) Apesar da mais absoluta mediocridade dos resultados de seis anos de Governo, Sócrates tem duas grandes vantagens. A primeira é que a grande maioria do eleitorado centrista e moderado sabe que nada teria sido muito diferente com um Governo PSD-CDS. Para além de questões de estilo e de personalidade (que também são relevantes mas não fundamentais), é evidente que com ou sem Sócrates, os problemas estruturais são o que são. Os Governos Durão-Santana-Portas foram simplesmente um desastre para esquecer. E nos últimos anos nunca o PSD nem o CDS explicaram como resolver os estrangulamentos da economia e da sociedade portuguesa que Sócrates se limitou a ver passar (no intervalo da propaganda lunática de uma realidade que nunca existiu). Basta lembrar os programas eleitorais em 2009 para perceber que o verdadeira problema não é o PS, mas a falta de alternativa.
A segunda vantagem de Sócrates é que a direita que fala agora de grandes reformas e de fazer diferente do PS ainda não apresentou nenhum programa político. Diz que este é um Governo abjecto mas depois, contra toda a lógica, mantém Sócrates no poder. Só faz sentido porque não há nenhum projecto alternativo. Quando passamos da retórica e das piedosas intenções ao concreto das políticas públicas, temos um vazio completo. Evidentemente que o PSD e o CDS prometem surpresas para breve. Pode ser que sim. Mas os trinta anos de democracia ensinaram-nos que o "Mais Sociedade, Portugal faz-se consigo" do PSD não vai ser muito diferente das Novas Fronteiras do PS. Ou seja, muita conversa, muitas promessas, poucas reformas, nulos resultados.
(3) A questão fundamental é que Portugal está numa encruzilhada há dez anos e não consegue sair dela. A diferença é que esteve durante muito tempo ao lado mas agora sentou-se em cima do abismo económico. A crise internacional limitou-se a antecipar o inevitável que o PS e o PSD teimaram em não querer solucionar quando era adequado. Junta-se uma crise política derivada de um regime descredibilizado e institucionalmente deficiente.
Temos um regime que não é nem presidencialista, nem parlamentar, nem semi-presidencialista. Temos um Governo que não tem a confiança nem do Parlamento nem do Presidente, ambos directamente eleitos pelo povo, mas que continua em funções por um conjunto de aberrações constitucionais únicas e idiossincráticas. Um regime político que está moribundo mas ninguém parece interessado em solucionar. E, contudo, é bem provável que nenhum dos problemas estruturais de que padece Portugal possa ser efectivamente resolvido com o actual desenho institucional.
(4) Falar da moção de censura construtiva neste contexto é aprofundar a aberração constitucional que temos. A moção de censura construtiva existe em países em que o Governo é eleito pelo Parlamento. Logicamente, se o Parlamento quer censurar o Governo que elegeu, pede-se que indique um novo Governo. Ora o nosso caso é muito diferente. Temos um Governo que não é eleito pelo Parlamento. Temos um Governo que não tem que pedir a confiança do Parlamento para governar. Não tem nenhuma lógica política que só possa ser censurado pelo Parlamento se o Parlamento eleger um Governo substituto (poder que esse mesmo Parlamento não teve em relação ao Governo que pretende censurar).
Podemos pensar que o regime deveria evoluir para um sistema parlamentar (com um Governo eleito pelo Parlamento e um Presidente meramente decorativo) ou para um sistema presidencial (com um Presidente que governa). O que está é uma pura aberração constitucional feito à medida do PS. A moção de censura construtiva limita-se a aprofundar a crise institucional em que vivemos. Que isso agrade ao PS percebe-se. O que é de lamentar é que a direita não entenda que com este desenho institucional não irá muito longe."
Nuno Garoupa
1 Comments:
Pois mas o problema é que temos uma Constituição que é uma aberração.
Este regime é uma aberração.
Chamar a isto de democracia é louvável se comparado com Angola ou a Guiné.
O diagnóstico está feito, o tratamento não me parece ser outro senão, abater os políticos da partidocracia ou para não ser muito violento prender os corruptos e os cúmplices inclusivé os do poder judicial.
Portanto, pondo a coisa de forma clara, estamos tramados, as armas são carregadas com balas de salva,e ninguém os vai prender e assim morrer lentamente é melhor.
O Senhor Garoupa, nome de peixe de águas profundas, gosta mais do PS um pouco do da chamada direita, só que isso não existe, direita e esquerda, existem é interesses de poder e jogos de poder, e o Senhor Garoupa, não sei se é analista, se jornalista político, daí ainda cair na coisa do clubismo.
Aberrações não faltam, por exemplo o tempo que leva a tomar posse o PR que não fa z falta nenhuma ao país, daí preferir a monarquia, o Rei é pelo menos, o Rei dos Portugueses, mas os bombistas republicanos não quiseram e os netos e bisnetos também.
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