Nero e a crise

"Portugal apalpa o caminho à beira do abismo. Não é o discurso que inaugurou o segundo mandato de Cavaco Silva que vai mudar o que quer que seja. É um erro julgar que isso mudará o destino do País. O drama não é saber quando Sócrates cai e se Passos Coelho entra em São Bento, ou se há eleições antes ou depois do Verão. A questão incandescente é como se vai comportar a maioria da população que não tem assento à selecta mesa do Orçamento. O País range os dentes. Até agora goza, à boleia dos Homens da Luta.

A ressaca da gargalhada colectiva poderá ser pior. Não há almoços grátis, seja na economia, seja na sociedade. Quando se dá, deseja-se algo em troca. Há um valor económico mas também emocional. Quando se é aliviado com todo o tipo de impostos, espera-se uma retribuição. E é isso que a elite portuguesa e europeia parece incapaz de perceber. O desconforto está a começar a ferver com esta insensibilidade. Todos sabemos que acabou a boda dos pobres. Mas está a terminar a dos que trabalham e extinguiu-se a esperança dos mais jovens. Em Portugal está a implodir.

Como a Irlanda e a Grécia estão a provar, o remédio está a ser pior do que a cura. Mas os médicos europeus continuam sem compreender. Um dia destes, rebenta-lhes uma Líbia nas mãos e depois espantam-se. Os políticos deveriam ser impossíveis de aturar como Churchill. Mas deveriam conseguir o impossível. E é isso que Sócrates não consegue ser e que o círculo que cerca Passos Coelho não entende. Nero queimou Roma para se divertir. Este não vai ser um divertimento para ninguém."

Fernando Sobral