segunda-feira, março 21, 2011

O homem que veio de longe

"Ao contrário de António Guterres, o eng. Sócrates não tenciona abandonar o barco que ajudou a afundar. Apesar de as más notícias caírem por cá com regularidade diária, e apesar de as más notícias se deverem, em boa parte, à respectiva manutenção no poder, o eng. Sócrates não abdica deste. Aliás, cada acção do homem vai no sentido da perpetuação ou, como os devotos preferem, da resistência. Perante a perspectiva de eleições antecipadas, ele é o primeiro a afirmar-se disposto a vencê-las. E todos sabem que não se poupará a esforços, mais ou menos lícitos e limpos, para o conseguir.

Porquê? A que se deve a teimosia do eng. Sócrates em maltratar uma nação que a sua sôfrega inépcia deixou em estado comatoso? O que falta provar ao pior governante que a nossa tenra democracia produziu? O que o faz correr ou, na medida em que os que correm para o estrangeiro são os milhares que já não suportam isto, o que faz com que o eng. Sócrates pretenda ficar exactamente onde está?

Talvez o ressentimento. Numa pequena resenha biográfica, publicada em 2009 na revista GQ e em 2010 no livro Vidas, Maria Filomena Mónica descreve um rapaz fascinado e intimidado pelas "elites" da capital, reais ou imaginadas. Veja-se o que o eng. Sócrates confessava em tempos a um jornal da Covilhã: "Há uma grande segregação que tem a ver com a origem e com a província. Não há a mesma igualdade (sic) de oportunidades. Isto quer dizer que as pessoas do interior, para se afirmarem na corte lisboeta, têm de ser muito mais talentosas do que as pessoas de Lisboa."

Embora "talento" não seja o critério essencial na ascensão partidária, o desabafo traduz perfeitamente o caldo de isolamento e despeito que formaram a personalidade do jovem José Pinto de Sousa, enquanto trocava os apelidos da família por um curioso nome próprio que, na cabeça dele, convocaria o tipo de "prestígio" atribuído pelo curso que discutivelmente obteve - não porque quisesse "muito" (cito-o) ser engenheiro, mas porque "era melhor ser engenheiro do que não ser".

Outra entrevista, de outra fonte, é igualmente elucidativa. Em Setembro de 2000, o eng. Sócrates afirmou ao DN: "(...) eu nasci na Covilhã e foi lá que me formei, que moldei o carácter de antes quebrar do que torcer. Mas, passados os anos de adaptação [a Lisboa], reconheço-me integrado em absoluto, embora assinale ainda o preconceito de corte, da corte da política, entenda-se, para os que chegaram de fora."

É engraçado que o velho conflito do eng. Sócrates com os factos inclua o próprio local de nascimento (na verdade, nasceu no Porto e foi registado em Alijó). É também divertido notar que o eng. Sócrates nunca colocou a hipótese de, à semelhança da maioria dos cidadãos, dedicar a Lisboa a indiferença que Lisboa lhe dedicava.

O que aqui importa, porém, é, a par da ambição, a constante inadequação, o fardo de um enxovalho mal reprimido e a pedir desagravo. Se diversos predecessores do actual primeiro-ministro partilharam o seu rancor pela corte, nenhum pareceu movido exclusivamente pelo desejo de mostrar à "corte" quem manda nela. Com maior ou menor evidência, todos revelaram as residuais virtudes exigidas pelo cargo. O eng. Sócrates não revela nada: salvo eventuais (e ocultos) méritos, o que o faz correr é, apenas, a necessidade de vingança.

Claro que a vingança, mesmo fundamentada em delírios, é um sentimento legítimo. Só aborrece que entre o vingador e os alvos haja um país, e que, através do voto, o país tenha patrocinado por duas vezes as frustrações de um irresponsável. E não aposto que não patrocine uma terceira
."

Alberto Gonçalves

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