A especiaria da mentira
"Quando eu ouço dirigentes da oposição dizerem que o FMI virá mais tarde ou mais cedo, que é inevitável a ajuda externa ao nosso país, eu quero dizer-vos francamente que há limites para tudo”.
"Ou eu ou o FMI". "Entre vir ou não vir o FMI há dez milhões de portugueses que sofreriam". "Ainda vão ter saudades do PEC IV". "Portugal não precisará nem de ajuda externa, nem de nada mais que não seja confiança no povo português e no nosso país". "Um programa de ajuda externa tem consequências profundamente negativas para as pessoas, para as famílias e também para as empresas". Assim se exprimia, ufano, o primeiro-ministro umas horas, um dia, dois dias, alguns dias antes de pedir assistência externa.
"Este acordo pode ser o ponto de partida para a recuperação que o país precisa". "O Governo conseguiu um bom acordo. Este é um acordo que defende Portugal." "O meu primeiro dever é tranquilizar os portugueses". "O sentimento de confiança deve prevalecer sobre o negativismo e sobre o pessimismo, atitudes que só conduzem à descrença, à paralisia..." Assim se exprimiu, camaleonicamente (e, desta vez, sem o brado nervoso do pavão de São Bento), o primeiro-ministro, ao apresentar, sob a forma de publicidade enganosa, o que (não) consta do Memorando de Entendimento com a ‘troika'. Só lhe faltou o remate cultural: "porreiro, pá!"
Mais palavras para quê?
Mesmo assim há quem teime em negligenciar a distância entre a verdade, a fantasia e a mentira. Acham até que a mentira é uma nova especiaria comportamental. Vestindo-se ou travestindo-se de muitas e sofisticadas formas: meia-verdade, omissão, exagero, rumor, incoerência, quimera, ilusão, insinuação, manipulação.
A verdade existe por si. A mentira subsiste através dos seus autores. A verdade dá trabalho, e exige a consonância da sua essência com o carácter e a consciência. A mentira implica a imaginação do seu fabrico e é favorecida pela sofreguidão das notícias, que rapidamente a fazem submergir nas trevas sem memória. E sabemos que uma porta meio aberta é uma porta meio fechada, mas uma meia -mentira jamais será uma meia-verdade.
O que assistimos nos dias que precederam o anúncio do acordo - em que parte dos media colaboraram, anunciando medidas mais gravosas, para depois se assistir ao seu amaciamento - é paradigmático da tristeza, leviandade e marketing oco em que certo modo de fazer política de Estado se vem transformando.
Nas eleições, o que vai estar em causa é o escrutínio da autenticidade, da verdade, da respeitabilidade, da coerência, da dignidade, da integridade. A situação por que passamos não admite jogos florais. Acabou o tempo de se usar a magia de dividir a verdade para multiplicar a mentira.
A chave da verdade está nos eleitores. Mas atenção: nestas alturas, lembro-me de uma irónica frase do escritor norte-americano Mark Twain: "Uma das notáveis diferenças entre o gato e a mentira é o gato ter apenas nove vidas".
António Bagão Félix
"Ou eu ou o FMI". "Entre vir ou não vir o FMI há dez milhões de portugueses que sofreriam". "Ainda vão ter saudades do PEC IV". "Portugal não precisará nem de ajuda externa, nem de nada mais que não seja confiança no povo português e no nosso país". "Um programa de ajuda externa tem consequências profundamente negativas para as pessoas, para as famílias e também para as empresas". Assim se exprimia, ufano, o primeiro-ministro umas horas, um dia, dois dias, alguns dias antes de pedir assistência externa.
"Este acordo pode ser o ponto de partida para a recuperação que o país precisa". "O Governo conseguiu um bom acordo. Este é um acordo que defende Portugal." "O meu primeiro dever é tranquilizar os portugueses". "O sentimento de confiança deve prevalecer sobre o negativismo e sobre o pessimismo, atitudes que só conduzem à descrença, à paralisia..." Assim se exprimiu, camaleonicamente (e, desta vez, sem o brado nervoso do pavão de São Bento), o primeiro-ministro, ao apresentar, sob a forma de publicidade enganosa, o que (não) consta do Memorando de Entendimento com a ‘troika'. Só lhe faltou o remate cultural: "porreiro, pá!"
Mais palavras para quê?
Mesmo assim há quem teime em negligenciar a distância entre a verdade, a fantasia e a mentira. Acham até que a mentira é uma nova especiaria comportamental. Vestindo-se ou travestindo-se de muitas e sofisticadas formas: meia-verdade, omissão, exagero, rumor, incoerência, quimera, ilusão, insinuação, manipulação.
A verdade existe por si. A mentira subsiste através dos seus autores. A verdade dá trabalho, e exige a consonância da sua essência com o carácter e a consciência. A mentira implica a imaginação do seu fabrico e é favorecida pela sofreguidão das notícias, que rapidamente a fazem submergir nas trevas sem memória. E sabemos que uma porta meio aberta é uma porta meio fechada, mas uma meia -mentira jamais será uma meia-verdade.
O que assistimos nos dias que precederam o anúncio do acordo - em que parte dos media colaboraram, anunciando medidas mais gravosas, para depois se assistir ao seu amaciamento - é paradigmático da tristeza, leviandade e marketing oco em que certo modo de fazer política de Estado se vem transformando.
Nas eleições, o que vai estar em causa é o escrutínio da autenticidade, da verdade, da respeitabilidade, da coerência, da dignidade, da integridade. A situação por que passamos não admite jogos florais. Acabou o tempo de se usar a magia de dividir a verdade para multiplicar a mentira.
A chave da verdade está nos eleitores. Mas atenção: nestas alturas, lembro-me de uma irónica frase do escritor norte-americano Mark Twain: "Uma das notáveis diferenças entre o gato e a mentira é o gato ter apenas nove vidas".
António Bagão Félix
1 Comments:
tipo de pessoas é extremamente perigoso, nomeadamente quando as suas decisões mexem e influenciam as vidas de milhões de outras.
É efectivamente um perigo muito grande, como lucidamente referiu Paulo Portas - goste-se ou não do Presidente do CDS - colocar €75.000.000.000,00 nas mãos de um indivíduo que conduziu alucinadamente o nosso País para a beira da bancarrota, com a agravante de dizer que estava "tudo em ordem".
A juntar às características doentiamente esquizofrénicas deste ex-PM, há a acrescentar a índole de prepotência calculista e fria de que ele tem dado sobejas provas, a qual se consubstancia, genericamente, em duas características, qual delas a mais abjecta :
1 - Serve-se das pessoas ( colaboradores ) como meros instrumentos para a consecução dos seus projectos de promoção pessoal, não admitindo a mínima discordância em relação às suas ideias, sendo que todo aquele que tiver a veleidade de não acatar submissamente as directivas do chefe é ostracizado, de um modo implacável, desumano e definitivo.
Foi o caso mais recente do ministro Teixeira dos Santos, um homem que se manteve estoicamente a seu lado, quando a maioria o teria abandonado, e a quem ele, Sócrates, fez sofrer o vexame humilhante de excluir das listas de candidatos a deputados pelo PS.
2 - A outra sua característica rasteira é o maquiavalismo de que ele faz basto e constante uso, sempre com um sorriso cínico afivelado no rosto, em relação a todo e qualquer colega de Partido que ele "sonhe" que lhe possa vir a fazer sombra futura na disputa à liderança do Partido.
Diplomatica e hipocritamente, "correrá" inexoravelmente com esse seu suposto concorrente para onde não possa ser um perigo para ele, no sentido de que a sua liderança se eternize.
Foram os casos mais conhecidos de António Costa, "convidado" a concorrer pelo PS à presidência da C.M.Lisboa e de João Cravinho, "nomeado” pelo Governo português liderado por José Sócrates para administrador do Banco para a Reconstrução e Desenvolvimento, em Londres.
Não foi, pois, de estranhar que, no último Congresso do PS, este senhor tenha sido reeleito para a chefia do Partido com mais de noventa por cento dos votos, sem que nenhum “peso pesado” do PS tenha dado um passo em frente para lhe disputar o cargo, com receio das consequências.
O medo deste tiranete paira instalado e latente no PS, enquanto não for corrido.
Falamos de medo, no sentido mais literal, de alguém se propor a concorrer com ele, porque sabe que não ficará impune.
Resta-lhe os "yes-man" e os incondicionais de cerviz dobrada, que dizem a tudo que sim, como ele tanto gosta.
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