Fígado de bacalhau
"Governo e Banco de Portugal querem que os bancos portugueses recorram aos 12 mil milhões de euros de ajuda da troika para aumentaram os seus capitais próprios. Os banqueiros respondem que serão capazes de reforçar a solidez financeira das instituições sem terem que acomodar o Estado nas suas listas de accionistas. Quem tem razão?
A discussão já estava acesa, mas a queda do Dexia veio fornecer-lhe alimento adicional. Os apelos à recapitalização acelerada das entidades financeiras europeias fizeram-se ouvir de forma mais intensa, começando por Berlim. E os receios sobre a saúde do sistema financeiro do Velho Continente, reavivados pelo descalabro da instituição franco-belga, são justificados. A crise das dívidas soberanas encheu os balanços de riscos elevados e explica a desconfiança que mantém fechado o acesso aos meios normais de financiamento através dos mercados.
Os bancos portugueses estão nesta situação. Vivem sob a mão protectora do Banco Central Europeu que lhes fornece os meios de que necessitam. É um facto que as maiores instituições financeiras nacionais passaram nos testes de resistência que lhes confirmaram estarem na posse de capitais suficientes para enfrentarem conjunturas adversas. Mas se esta circunstância permitiu aos seus responsáveis alegarem que a banca portuguesa se recomenda, nem por isso fez surgir uma onda de financiadores determinados a apostar os seus recursos no apoio ao sector. Sem a botija de oxigénio de Frankfurt, o cenário seria muito feio.
Por este motivo, os banqueiros argumentam ter um problema de liquidez, que é necessário atacar, enquanto acrescentam ter condições para cumprir as metas de reforço dos indicadores de solvabilidade, sem precisarem de muletas. A evolução dos balanços nos trimestres mais recentes é suficiente para que lhes seja concedido o benefício da dúvida, porque revelam melhorias na relação entre os capitais próprios e os activos devidamente ponderados pelo risco, de acordo com as regras em vigor. Mas a forma como os objectivos estão a ser perseguidos, abre outros problemas. Os bancos apertaram a torneira do crédito e os alarmes soaram entre quem teme a asfixia da economia.
É aqui que entra o inescapável "monstro" que se chama Estado. Durante anos a fio, os bancos alimentaram-no, comprando títulos de uma dívida pública galopante, financiando obras sem sustentabilidade, concedendo crédito a um sector empresarial público que acelerava desgovernado rumo à ruína. Os recursos que foram para estes projectos, fizeram falta noutros lados. No financiamento de jovens empreendedores e de pequenas e médias empresas, por exemplo, que ficam bem nos discursos mas que são esquecidas quando os palanques recolhem à arrecadação.
Agora, como um Frankenstein que se vira contra o seu criador, o "monstro" quer engolir os bancos, impondo as suas regras a quem os gere. Se o Governo e o Banco de Portugal querem que o Estado injecte dinheiro nos bancos e seja seu accionista com o objectivo de os recapitalizar, estão no seu direito de se preocuparem com o assunto. Mas, se querem evitar a secagem do financiamento da economia por causa das políticas restritivas do sector financeiro na concessão de crédito, têm pelo menos duas outras vias para o conseguir.
O Estado é mau pagador, liquida as facturas tarde e a más horas, muito para além daquilo que é razoável numa economia saudável, e este comportamento dá origem a uma espiral de más práticas que comprometem negócios e postos de trabalho. Se quer mais dinheiro na economia, o Governo devia começar por arrumar a sua casa. Segue-se aquilo que já foi proposto. Encontrar uma forma de o sector empresarial do Estado reembolsar as somas que lhe foram emprestadas, permitiria aos bancos disporem de recursos que poderiam ser reencaminhados para empresas com viabilidade económica, mas que se vêem ameaçadas pelos apertos nas suas contas correntes.
Perante a grave crise que se instalou na Europa, pode muito bem acontecer que os bancos portugueses acabem por se ver na contingência de ter de aceitar o Estado como accionista, por mais que esta possibilidade enerve os banqueiros. O futuro o dirá, talvez mais cedo do que mais tarde. O que não faz sentido é que se tente forçar a recapitalização dos bancos como quem obriga uma criança relutante a engolir uma colher de óleo de fígado de bacalhau. "
Joao Silva
A discussão já estava acesa, mas a queda do Dexia veio fornecer-lhe alimento adicional. Os apelos à recapitalização acelerada das entidades financeiras europeias fizeram-se ouvir de forma mais intensa, começando por Berlim. E os receios sobre a saúde do sistema financeiro do Velho Continente, reavivados pelo descalabro da instituição franco-belga, são justificados. A crise das dívidas soberanas encheu os balanços de riscos elevados e explica a desconfiança que mantém fechado o acesso aos meios normais de financiamento através dos mercados.
Os bancos portugueses estão nesta situação. Vivem sob a mão protectora do Banco Central Europeu que lhes fornece os meios de que necessitam. É um facto que as maiores instituições financeiras nacionais passaram nos testes de resistência que lhes confirmaram estarem na posse de capitais suficientes para enfrentarem conjunturas adversas. Mas se esta circunstância permitiu aos seus responsáveis alegarem que a banca portuguesa se recomenda, nem por isso fez surgir uma onda de financiadores determinados a apostar os seus recursos no apoio ao sector. Sem a botija de oxigénio de Frankfurt, o cenário seria muito feio.
Por este motivo, os banqueiros argumentam ter um problema de liquidez, que é necessário atacar, enquanto acrescentam ter condições para cumprir as metas de reforço dos indicadores de solvabilidade, sem precisarem de muletas. A evolução dos balanços nos trimestres mais recentes é suficiente para que lhes seja concedido o benefício da dúvida, porque revelam melhorias na relação entre os capitais próprios e os activos devidamente ponderados pelo risco, de acordo com as regras em vigor. Mas a forma como os objectivos estão a ser perseguidos, abre outros problemas. Os bancos apertaram a torneira do crédito e os alarmes soaram entre quem teme a asfixia da economia.
É aqui que entra o inescapável "monstro" que se chama Estado. Durante anos a fio, os bancos alimentaram-no, comprando títulos de uma dívida pública galopante, financiando obras sem sustentabilidade, concedendo crédito a um sector empresarial público que acelerava desgovernado rumo à ruína. Os recursos que foram para estes projectos, fizeram falta noutros lados. No financiamento de jovens empreendedores e de pequenas e médias empresas, por exemplo, que ficam bem nos discursos mas que são esquecidas quando os palanques recolhem à arrecadação.
Agora, como um Frankenstein que se vira contra o seu criador, o "monstro" quer engolir os bancos, impondo as suas regras a quem os gere. Se o Governo e o Banco de Portugal querem que o Estado injecte dinheiro nos bancos e seja seu accionista com o objectivo de os recapitalizar, estão no seu direito de se preocuparem com o assunto. Mas, se querem evitar a secagem do financiamento da economia por causa das políticas restritivas do sector financeiro na concessão de crédito, têm pelo menos duas outras vias para o conseguir.
O Estado é mau pagador, liquida as facturas tarde e a más horas, muito para além daquilo que é razoável numa economia saudável, e este comportamento dá origem a uma espiral de más práticas que comprometem negócios e postos de trabalho. Se quer mais dinheiro na economia, o Governo devia começar por arrumar a sua casa. Segue-se aquilo que já foi proposto. Encontrar uma forma de o sector empresarial do Estado reembolsar as somas que lhe foram emprestadas, permitiria aos bancos disporem de recursos que poderiam ser reencaminhados para empresas com viabilidade económica, mas que se vêem ameaçadas pelos apertos nas suas contas correntes.
Perante a grave crise que se instalou na Europa, pode muito bem acontecer que os bancos portugueses acabem por se ver na contingência de ter de aceitar o Estado como accionista, por mais que esta possibilidade enerve os banqueiros. O futuro o dirá, talvez mais cedo do que mais tarde. O que não faz sentido é que se tente forçar a recapitalização dos bancos como quem obriga uma criança relutante a engolir uma colher de óleo de fígado de bacalhau. "
Joao Silva
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home