quarta-feira, dezembro 14, 2011

A ilha de Cameron

"Quando a Inglaterra era vitoriana e o Sol nunca se punha no Império Britânico, um jornal londrino fez esta manchete (ou, se não fez, publique-se a lenda): "Tempestade no Canal da Mancha - o Continente isolado!" Ontem, o jornal popular Sun fez outra manchete: "Toma, Europa!", com Cameron fazendo de zé-povinho, mas, como este não é conhecido na "pérfida Albion" (como se dizia da Inglaterra no tempo de Bordalo), o tablóide pôs o primeiro-ministro vestido à Winston Churchill. Demasiadas tolices! Desde logo, o Reino Unido, hoje, é curto (um só meridiano horário resolve-o). Depois, é mesmo só uma ilha, e nas tempestades quem fica isolado é ela. E, finalmente, um primeiro-ministro é um primeiro-ministro e outro é outro, mesmo quando são os dois britânicos.

Dito com mais crueldade, ontem, pelo jornal Guardian (também britânico mas sem gajas nuas na pág. 3): "Ficar sozinho contra todos pode ser um acto de coragem, mas também pode ser uma cretinice. É o caso de Cameron." David Cameron demonstrou na sexta-feira ser um exagero de casting, colocado acima das suas possibilidades. Deixemos os jornais pró e contra da sua ilha, para sermos mais frios, e colhamos opinião de fora. Por causa da actuação de Cameron na Cimeira, o americano New York Times resume: "Big Looser [O Grande Derrotado]". Acertando as horas na velha manchete: "Continua a tempestade do euro no Continente - e a Grã-Bretanha, isolada, já não conta para nada."

Poderia ser só não estar de acordo, mas não, é estar "desapontado". Poderia ser só "desapontado", mas não, é "amargamente desapontado". Poderia ser de adversário, mas não, esse comentário contra o veto de David Cameron é do seu parceiro de aliança, Nick Clegg. Os dois são os líderes da coligação que governa o Reino Unido. Este ano europeu já viu várias quedas de Governo, todas explicadas pela crise do euro. O que se anuncia na Grã-Bretanha é novo, o país nem pertence ao euro. "Estou feliz por não estar na Zona Euro", disse Cameron na cimeira. Os líderes que estão na Zona Euro não estarão também muito felizes em lá estar, e têm demonstrado grande incapacidade em resolver esse desconforto.

Mas, além da falta de soluções, o que 2011 tem revelado é a vontade dos líderes europeus em não perderem a União Europeia: o ano já vai em oito cimeiras e, se isso significa que se procura a rolha desordenadamente, revela também que se quer procurar a rolha. Os líderes europeus do continente têm uma coerência, estão na União Europeia e querem lá estar - para lá do nevoeiro do euro, eles julgam adivinhar um destino. E isso é comum entre os grandes partidos que governam e os que estão na oposição. Cameron tem um problema: tanto os seus aliados liberais-democratas como a oposição trabalhista não partilham a sua ideia de não querer estar onde estão, na União Europeia. Mais facilmente se resolve a questão do euro que essa contradição
."

Ferreira Fernandes

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