terça-feira, dezembro 13, 2011

O negócio da China

"A EDP é de todos", diz o anúncio. Mas está quase a ser toda deles. Porque não estão à venda 21,4% mas sim o controlo da EDP. E porque, não se sabendo ainda se a empresa será chinesa, alemã ou brasileira, sabe-se o que ela não será mais: portuguesa. Com um paradoxo notável: três dos quatro candidatos são detidos por Estados. Não é uma privatização, é um negócio. Com todo o direito a sê-lo.

Este será o maior negócio deste ano - e dos próximos. Esta terça-feira, os accionistas da EDP pronunciam-se sobre as propostas, depois a Parpública decide, a decisão vai quinta-feira a Conselho de Ministros, que apurará um ou dois finalistas para a negociação final. Até lá, todas as placas tectónicas do poder estão em movimento.

Como o Negócios revelou em primeira mão, os chineses da Three Gorges oferecem o preço mais alto (€3,45 por acção, ou quase 2,7 mil milhões de euros pelos 21,4%), seguidos dos brasileiros da Eletrobras e dos alemães da E.ON. A oferta menor é dos também brasileiros da Cemig, que parecem afastados da "pole position". As três melhores propostas estão separadas, no entanto, por pouco: cerca de 200 milhões de euros.

As propostas envolvem muito mais do que dinheiro. Envolvem projecto industrial, investimento conjuntos, modelo (e nomes) para a gestão. Mas deixemo-nos de peneiras: um faminto não discute a ementa. É o dinheiro que hoje mais pesa. O abundante dinheiro chinês. O influente dinheiro brasileiro. O poderoso dinheiro alemão.

Se Angela Merkel pegar no telefone, dificilmente Passos Coelho dirá que não. Se o disser, di-lo-á também a Vítor Gaspar, que já vê da janela do seu gabinete o camião de dinheiro que os chineses prometem estacionar no Terreiro do Paço. 2,7 mil milhões pela EDP mais crédito ao Estado e aos bancos portugueses, num total de mais 7,5 mil milhões. De caminho, ainda entram no BCP, que há três porfia um accionista chinês.

A parada está alta. A China quase suborna Portugal com crédito. O Brasil mancomuna-se com os espanhóis da Iberdrola para dominar. A Alemanha convida António Mexia a Frankfurt e sedu-lo com funções na própria sede. Não há anjos nesta história, nem nunca haverá. Apesar de ter uma dívida que já é o dobro do seu valor em Bolsa, a EDP é, como se vê, apetecível, com produção renovável e entrada no Brasil e EUA.

Há dinheiro para o Estado, que venderá 21,4% e, mais tarde, os últimos 4%. Há dinheiro, também, para o núcleo duro BES, Grupo Mello e BCP, que está mortinho por vender a bom preço. Não tem o queijo mas tem a faca na mão: depois da privatização há Assembleia-Geral da EDP onde o seu voto é importante. Quem entrar tem de entrar com e não contra este núcleo. Mais tarde se fará a compra.

É por isso que a EDP vai ser outra coisa. Podem parti-la como partirão a Cimpor, torná-la uma filial, envergá-la como centro de renováveis ou ponta-de-lança na Europa. Mas no fundo assistimos à estrutura de poder que dominou Portugal - o Estado e os "núcleos duros" - a venderem o que podem para pagar as suas dívidas.

Three Gorges, Eletrobras e Cemig são empresas estatais e mesmo a E.ON, não o sendo, já envolveu chefes de Governo no negócio. A operação é financeira e política, e ainda vão arranjar forma de dizer que estão preocupados com os investidores minoritários e com os clientes, quando estão sim preocupados com continuar a cobrar impostos em Lisboa.

Este é o último "negócio da China" do Estado Português. Mas pode ser, também, o primeiro negócio com a China, que ainda não pôs a mão nas energias na Europa e está disposta a iniciá-lo em Portugal. Se os chineses ganharem, teremos um aliado poderoso e temido: o Estado Chinês, que é controlado pelo Partido Comunista Chinês. Estes são tempos de enormes ironias históricas: ainda ouviremos este Governo, que se diz liberal, não só a nacionalizar bancos como a dizer que é comunista desde pequenino
."

Pedro Santos Guerreiro

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