sexta-feira, janeiro 06, 2012

O círculo do sofrimento

"O relatório da Comissão Europeia agora divulgado é uma chapada na cara da classe política nacional: esta, independentemente da cor política que governa no momento, continua a colocar o fardo maior em cima daqueles que menos têm. Não é uma boa imagem de equidade.

A dívida e o défice colocaram-nos nesta marcha fúnebre que vamos cumprir de forma militante em 2012. A dor, diz-se, será distribuída por todos. Mas, neste círculo do sofrimento, já se percebeu que, como no "Círculo de Giz Caucasiano" de Bertolt Brecht, haverá sempre quem tentará puxar a sua dor para fora dele. O trabalho da Comissão Europeia que compara os efeitos distributivos das medidas de austeridade seguidas em Portugal, Reino Unido, Estónia, Grécia, Irlanda e Espanha é uma sonora chapada dada na cara da nossa classe política. Há uma frase que dinamita completamente a acção do Governo de José Sócrates: "Portugal é o único país com uma distribuição claramente regressiva". O estudo refere-se ao período entre 2008 e meados de 2011. Mas, se olharmos para a acção do governo de Pedro Passos Coelho, o relatório não deveria ser muito diferente sobre Portugal.

É óbvio que são os portugueses de menos recursos (e com menos defesas) que vêm pagando a crise. Seja com impostos, seja com o aumento do custo dos serviços públicos (ou o seu corte). Seja na saúde ou nos transportes públicos, onde é mais visível. Mas essa saga contra quem não está no topo da pirâmide atinge hoje uma classe média que tinha feito do trabalho a força de ter uma vida mais decente (a imensidão de níveis de rendimentos do VII escalão de IRS é um claro convite a não trabalhar ou a procurar a economia paralela). Ou seja, são os que têm menos rendimentos que suportam em Portugal o fardo maior em comparação, situação incompreensível quando se compara por exemplo com a Espanha ou o Reino Unido. Ou seja, a classe política portuguesa, independentemente da cor política que governa no momento, continua a colocar o fardo maior em cima daqueles que menos têm.

É um relatório devastador que, se tivéssemos uma sociedade civil actuante, colocaria este assunto na agenda política do país. Como não é e os partidos políticos ocuparam o espaço de diálogo na esfera pública, este assunto é esquecido. Como a austeridade sem crescimento económico não vai resolver o problema de Portugal teme-se até onde este achatamento poderá levar a sociedade num país que despreza quem trabalha. Nada que nos diferencie de uma América que o músico Bruce Springsteen retrata no prefácio de "Someplace Like América" de Michael Williamson e Dale Maharidge: "Aqui está o custo, em sangue, tesouro e espírito, que a pós-industrialização dos EUA legou aos seus mais leais e esquecidos cidadãos, os homens e mulheres que construíram os prédios onde vivemos, as auto-estradas onde conduzimos, fizeram coisas e não pediram nada em troca excepto um bom dia de trabalho e uma vida decente". É este amor ao trabalho que está a ser destruído nos EUA e em Portugal. São sempre os mesmos que são atraídos para o círculo do sofrimento. E agora alguns mais: a classe média que trabalha por conta de outrem.

Sabemos que a importância dos cortes, da austeridade e dos impostos não é apenas económica. É também política e ideológica. Restora uma aparentemente coerente identidade no centro do poder. Ajudam a escrever uma história perfeita: é a forma de salvar o país do desastre. E servem para transformar a crise financeira numa crise do Estado social, como é visível. Este modelo de gestão da sociedade de mercado não deixou alternativas externas (excepto o modelo oriental, de Singapura à Coreia do Sul e agora à China), que vai ganhando apoios nas elites do Ocidente. Onde o Estado aliado aos grandes grupos de interesses gere a sociedade. Sem muita sociedade civil por perto. Mas esse é outro debate
."

Fernando sobral

1 Comments:

Blogger Toupeira said...

Excelente artigo.
Verdadeiro.
De facto somos uma sociedade fraca em valores.
A classe política deveria ser guilhotinada sem excepções, porque são todos culpados.
Como não os podemos guilhotinar, por enquanto, façamos o inverso do que querem, construamos uma economia paralela.
No fundo eles, os políticos vivem dela nós podemos viver com ela, reduzindo a carga de impostos.
Quer dizer se não vale a pena pedir a factura porque não há deduções fiscais temos de perguntar se quer com ou sem factura.
Antes os que queriam a fuga ao fisco e nos vendiam produtos e serviços faziam isso, hoje somos , nós os que mais pagam com esta crise artificial e esta austeridade de mentira porque não o é, é esbulho ou roubo, hoje dizia deveremos er nós a impor o preço, com ou sem factura, se aparecer o fiscal a ameaçar, ameaçamos com ameaça pior, não sei outra via.
Desobediência civil, de que o senhor CEMGFA tem mais medo, é o remédio, contra os ladrões e assaltantes de bancos dos governos do Silva, dos ladrões do estado do Guterres e do Sócrates e dos outros todos das câmaras e do poder das franjas que destruiram a economia em Abril e com a abrilada,os da esquerdalha das causas fracturantes.
Todos para a guilhotina, enquanto não puder ser, vamos dar-lhes com a não obediência e deixem-se de esperança porque não pode haver esperança com políticas destas.
Somos um país paralisado por gafanhotos.

sábado, janeiro 07, 2012  

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