terça-feira, janeiro 03, 2012

O regresso de Marx

"A recente venda de um quinto da EDP aos gigantes chineses da Three Gorges veio relembrar uma velha máxima marxista: que o Capital não tem cara, dono ou Nação.

Nada de novo. Afinal, já em meados do século XIX, quando Karl Marx partilhava as suas leituras da sociedade, se haviam detectado estas características no sistema económico mundial. Na altura, o modelo capitalista era selvagem e descontrolado; e produto da intervenção exclusiva de privados que, acompanhando o desenvolvimento de sucessivas vagas de globalização e desenvolvimento industrial (em particular após a segunda revolução industrial - a da electricidade e do caminho-de-ferro) montaram o actual sistema. Rapidamente este, aliado à maturação dos nacionalismos modernos, causou graves distorções na geopolítica mundial e na organização social das comunidades, uma vez que concentrava um poder desmensurado nas mãos de uns poucos e, mais preocupante, concentrava este poder fora do controlo e da esfera estatal.

Esta versão do sistema capitalista ruiu em 1929 e os Estados foram obrigados a intervir na Economia, regulando-a e assumindo a gestão de algumas áreas consideradas estratégicas. Foi já sob estas premissas que se desenvolveu o Estado-Social, implementado pela social-democracia europeia na segunda metade do século XX, que considerava que o Estado deveria assumir mais responsabilidades na gestão da ‘Res Publica' (não sob um prisma totalitário ou socializante mas antes solidário e responsável), e que os sectores económicos e financeiros também deveriam ser co-responsabilizados.

Este modelo foi colocado em cheque nos anos 80 por uma nova formulação do liberalismo que, assente na prática nos Estados Unidos de Reagan e no Reino Unido de Thatcher, voltou a desregular os mercados e a finança internacional (decisão que está na base da actual crise). Infelizmente, a "terceira via", apesar da sua excelente maturação programática e dos seus resultados práticos, não conseguiu construir um modelo que conseguisse ser exportável fora do Reino Unido de Tony Blair; o que, aliado às condições políticas e ideológicas das transições a Leste, condicionaram as actuais características do modelo financeiro e económico mundial, de claro e absoluto predomínio e hegemonia liberal.

Ora, tudo isto para realçar a recente decisão do Governo em deixar de tomar parte na gestão do sector energético nacional em troca de um par de patacas chinesas. Decisão que assume, a meu ver, duas consequências graves: uma relativa à vontade de Passos Coelho em levar avante as suas intenções de desmantelar o Estado e deixar nas mãos de privados a gestão de áreas essenciais para a política nacional, como é a da Energia; e uma segunda relativa à subsequente perda de soberania que esta decisão acarreta, mais ainda quando se a perde para capitais não nacionais ou não provenientes do espaço da UE. É que, mais de 150 anos depois da velha premissa marxista ter sido anunciada, já poderíamos ter entendido que nunca é boa política vender a quem não tem cara, dono ou Nação
."

José Reis Santos

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