Adorar o Estado, idolatrar Cristina
"Quando a poderosa indústria da carne de vaca não cedeu, Cristina Kirchner reuniu-se com o lóbi rival e declarou aos jornalistas: a carne de porco aumenta a potência sexual; é melhor que Viagra; e, palavras suas, houve mesmo uma noite "impressionante" com o marido, Néstor, após um jantar porcino. O que aconteceu? A venda de porco disparou. O lóbi da vaca cedeu. E a Presidente ganhou. Ganha sempre. Mesmo quando perde a Argentina. Como agora, com a nacionalização da YPF.
A Argentina está a sair de uma intervenção traumática do FMI, iniciada em 2001, quando um país rico ficou subitamente pobre. À sua frente está uma Presidente adorada pelo povo, ao estilo de Hugo Chávez, de quem é aliás amiga. Uma líder carismática. Populista. Ou, segundo a precisão de Fernando Sobral uma nacionalista. E agora nacionalizou (confiscou?), sob aplauso generalizado do seu povo, o controlo da petrolífera YPF à espanhola Repsol, empresa em que, aliás, o Estado detinha "acções douradas". É impressionante ver como há países onde a população delira com a musculatura de um Estado que exerce "golden shares"...
A América Latina está em efervescência económica. Rica em recursos naturais, a região beneficia da dimensão e, sobretudo, da pujança da economia da China, para onde exporta as suas matérias-primas. Para alimentar de carne, de soja, de petróleo, de gás um país faminto de crescimento.
Esta conjuntura está a produzir milagres económicos para quem acredita em milagres. Acredita o Brasil, que fomenta entusiasmadamente uma bolha no imobiliário e nos salários que já sabemos como acabará, só não sabemos quando. Mas há também ambição de prosperidade noutros países. Como a Colômbia, o Peru, o México. Mas não tanto na Argentina. Depois disto, pior ainda.
O Brasil é campeão do proteccionismo. Usa as importações como ferramenta de controlo de inflação (importando produtos de preços mais baixos), mas não como indutor de concorrência e, portanto, de melhoria das alternativas dos consumidores, em qualidade e em preço. O Brasil com quem fazemos acordos para vender a Cimpor é o mesmo para onde é impossível exportar um par de sapatos português. E onde agora há tarifas que tornam quase impossível a venda do nosso vinho.
O comércio internacional ainda é a melhor maneira de disseminar especialização numa economia e aumentar a prosperidade da sua população. O proteccionismo é sempre pago pelos consumidores. A favor dos produtores protegidos. Assim é, também agora, na Argentina.
A nacionalização a YPF é, mais do que um acto de hostilidade a Espanha, o encerramento de portas ao investimento estrangeiro. Lamentavelmente, não produz consequências internacionais, como a suspensão do país presidido por Kirchner do G20, represália defendida ontem no "Financial Times". Sem capital a entrar numa economia, não há investimento, nem criação de emprego, nem crescimento económico. Há decadência do aparelho produtivo. E isolacionismo.
Que a triste decisão de Cristina Kirchner sirva de exemplo extremo numa Europa nervótica e com instintos proteccionistas. As heroínas e os heróis andam por aí, como se vê nas eleições francesas, portando discursos nacionalistas. São formas de destruir economia, ameaçar a estrutura de uma sociedade e consagrar populismos políticos que, uma vez no poder, se tornam incontroláveis. Em "A volta ao dia em 80 mundos", o argentino Julio Cortázar explicou a "maneira simplicíssima de destruir uma cidade: aguarda-se escondido no pasto que uma grande nuvem cumuliforme se posicione sobre a detestável cidade. Lança-se então a flecha petrificadora, a nuvem converte-se em mármore, e o resto dispensa qualquer comentário". É isso: o resto dispensa qualquer comentário. É uma tragédia certa."
Pedro Santos Guerreiro
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