sexta-feira, maio 11, 2012

A dívida de Sócrates

"O colapso da alternância entre conservadores e socialistas, base do sistema partidário e do clientelismo de estado desde a queda da Junta Militar em 1974, condenou a Grécia à saída do euro.

Novas eleições não irão alterar o essencial: para a maioria dos gregos a política de austeridade é insuportável e impõe-se a renegociação do acordo com a troika para garantir a permanência no euro.

No quinto ano consecutivo de recessão, dois meses após credores privados terem perdoado mais de 100 mil milhões de euros na maior reestruturação negociada de sempre de dívida pública e da troika ter avançado com um segundo plano de resgate de 130 mil milhões de euros, consumou-se o colapso político.

A ascensão dos extremos

A forte votação da frente de esquerda radical SYRIZA nos grandes centros urbanos, a concentração do eleitorado conservador em pequenas cidades e áreas rurais, a dispersão de 19% dos votos em partidos que não conseguiram atingir os 3% necessários para representação parlamentar são aspectos novos e relevantes.

A quebra abrupta de socialistas e conservadores, congregando apenas 32% dos votos - menos de metade do conseguido pelos dois partidos em todas as eleições desde 1977 -, resultou na ascensão dos extremos, culminando com a entrada dos neo-nazis no parlamento.

Os 7% dos neo-nazis da "Alvorada Dourada" provam a falência da política de imigração grega e da União Europeia, da incapacidade do estado em garantir funções básicas de segurança perante a crescente criminalidade violenta, e demonstram, sobretudo, a persistência de um virulento nacionalismo de laivos racistas e matriz religiosa ortodoxa.

O voto de protesto, que favoreceu essencialmente a esquerda radical, fortemente nacionalista na sua maioria, não será desviado a curto prazo para os partidos tradicionais podendo mesmo vir a favorecer novas formações populistas.

Da Acrópole só se perfilam no horizonte governos instáveis, com escassa legitimidade política e sujeitos a forte contestação social e os parceiros europeus não podem aceitar financiar Atenas ilimitadamente, por tempo indeterminado e sem garantias de pagamento.

A bancarrota sem demora

O FMI, o BCE e a Comissão Europeia pouco terão de esperar para se confrontarem com a bancarrota grega.

Se o executivo em funções não honrar, na próxima semana, o pagamento de 436 milhões de euros em obrigações que ficaram fora do acordo de reestruturação de Março, os credores recorrerão à via judicial.

O incumprimento porá ainda em causa o plano de privatizações, comprometerá financiamentos do FMI e descartará definitivamente o retorno de Atenas aos mercados internacionais em 2015.

Nenhum executivo grego conseguirá, de resto, reunir condições para impor a curto prazo medidas adicionais de austeridade, cifradas em cortes de 11,5 mil milhões de euros até 2014, e tão pouco poderá propor à troika paliativos de recurso como moratórias no pagamento de juros de dívida.

A UE em 2009, quando a crise grega passou a ser impossível de esconder, não conseguiu definir uma política efectiva para estabilizar uma economia que representa menos de 2% do produto bruto comunitário e viu fracassar em Atenas uma estratégia assente essencialmente na austeridade anti-inflacionária para redução acelerada de défice orçamental e dívida pública e privada.

Após a reestruturação de Março, que deixou nas mãos de privados apenas 27% da dívida grega, o BCE e os estados europeus terão de arcar com o grosso do impacto da bancarrota de Atenas e subsequente saída do euro.

As consequências do naufrágio ateniense poderão vir a ser eventualmente contidas, preservando a moeda única, mas as ondas de choque atingirão em cheio países como o Chipre, cuja banca necessitará de ajuda massiva devido à sua exposição à dívida grega, acentuando temores e especulações quanto a Portugal, Irlanda, Espanha e Itália.

A cicuta

Para muitos gregos depois da grande farra é tempo da cicuta.

Foram agonizando com o veneno em pequenas doses, paralisando a pouco e pouco, mas, agora, no transe do abandono do euro, o sufoco será total.

No "Fédon" Platão legou a mais célebre das lendas sobre a morte de Sócrates, prostrado pela cicuta.
As últimas palavras de Sócrates, dirigidas a um dos seus amigos e discípulos, teriam sido: "Critón, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida."

Nestes tempos desalmados é filosofia de rigor dos mercados tomar estas palavras à letra.

João Carlos Barradas

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