Não deve ser apenas incompetência
"Em Portugal, apenas cinco em cada cem casos de corrupção chegam ao fim com uma condenação. Os números são da Transparência Internacional e constam de um relatório em que a imagem que resulta do país é pouco abonatória. As conclusões não devem surpreender ninguém. A percepção sobre este fenómeno corrosivo e desmoralizador do regime é generalizada. E também é forte o sentimento de que a impunidade preenche o vazio aberto por um sistema de justiça ineficaz, leis equívocas e relações pouco saudáveis entre dinheiros públicos e negócios privados. De novo, o que o relatório da organização não governamental sublinha é que existe uma relação entre as crises orçamentais e o nível de corrupção de que um país padece. Uma parte do dinheiro dos contribuintes é utilizada para realizar transferências de rendimentos para alguns sectores, beneficiários de contratos públicos mal negociados, mal explicados, muito lucrativos para uns poucos e ruinosos para aqueles que se vêem forçados a sustentá- -los através dos impostos actuais e futuros.
Os exemplos são numerosos. Mas, em Portugal, as parcerias público-privadas são o caso definitivo. Sobretudo aquelas que deram origem ao enorme buraco financeiro aberto pelas vias rodoviárias sem custos para o utilizador. Lançadas sob o desígnio de contribuírem para melhorar a competitividade, acelerar o ritmo de crescimento da economia e reduzir as assimetrias entre interior e litoral, falharam em toda a linha. A competitividade não parou de se sumir, o crescimento não parou de empalidecer e o interior prosseguiu o processo de desertificação. Ficaram as contas para pagar, na forma de uma crise grave nas finanças públicas. A leitura de relatórios sobre as tristemente célebres SCUT, como os que o Tribunal de Contas produz, apenas permite concluir que, se estas empreitadas alcançaram sucesso, foi no cumprimento do objectivo que não podia ser enunciado.
Concessionários e instituições financeiras conquistaram o direito a embolsarem rendas elevadas, sem risco e durante prazos generosos, tudo garantido por contratos inexpugnáveis, em que renegociar para baixar os encargos excessivos é como atravessar um campo minado. Evitar o desastre não é só uma questão de vontade ou de boa vontade. É possível olhar para os pesados compromissos que os contribuintes portugueses têm - e terão - que suportar por conta das parcerias público-privadas e ver na questão somente incompetência e irresponsabilidade de quem negociou em seu nome. Em todo o processo, houve doses pantagruélicas destes dois ingredientes. Mas, algures entre o financiamento dos partidos e a tentação para colocar a mão na massa com o objectivo de garantir um futuro confortável, deverá haver uma explicação mais convincente. Se há um limite para os sacrifícios que se exigem aos contribuintes, também há limites para a paciência de quem paga as facturas das asneiras alheias. E se apenas 5% dos casos de corrupção resultam em condenação, restam duas hipóteses. Ou os acusadores não sabem o que fazem ou os acusados sabem muito bem como elas se fazem. Nenhum dos cenários é radioso para a credibilidade do regime."
João Silva
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