Ping-Pong e a Economia política
"Durante o último século, o debate económico-político tem sido trancado numa orbita à volta dos respectivos papéis e virtudes do Estado e do mercado. Controlará o mercado o Estado, no sentido em que estabelece os limites das capacidades dos governos de pedir emprestado? Ou será que o Estado toma o controlo quando o mercado falha no desempenho das funções sociais necessárias – tais como combater em guerras ou na manutenção de empregos?
O velho debate está no centro das divisões profundas actuais sobre como a Europa devia responder a sua crise da dívida. A mesma questão está a dividir os políticos norte-americanos que estão na liderança para as eleições presidenciais e para o Congresso de Novembro.
Nas duas décadas que antecederam a crise financeira, muitas pessoas – incluindo muitos políticos – assumiram que os mercados eram supremos. Agora o pêndulo intelectual pode estar a balançar para a crença na qual as acções dos Estados podem absorver os problemas dos mercados – apenas como uma veneração do Estado em 1930 seguida da adoração dos mercados em 1920.
Há duas décadas, políticos europeus judiciosos procuraram “um terceiro caminho”, na direcção de um caminho em zigzag entre a importância dos mecanismos de mercado e outras prioridades sociais, de acordo com as quais o mercado precisava de ser direcionado. Por exemplo, quando o Comité Delors preparou o seu relatório em 1988-1989 sobre a forma como a união monetária poderia ser estabelecida na Europa, os peritos dedicaram uma atenção considerável à questão se poderia a pressão dos mercados ser suficiente para disciplinar os Estados. Muitos advertiram que não seria – as taxas de juro da dívida poderia convergir ao início permitindo aos países gastadores empréstimos mais baratos do que de outra forma conseguiriam.
O resultado dos debates do início da década de 1990 era um conjunto de regras ásperas e prontas sobre os níveis dos défices e da dívida que nunca foram tomados muito a sério. Os economistas zombaram delas e Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia na altura, foi apelidado de “estúpido”.
Até à segunda metade de 2008, a Europa pareceu ter atingido um paraíso orçamental: os mercados não faziam diferença entre as obrigações dos países da Zona Euro. Alguns assumiram uma garantia de dívida implícita mas que foi sempre implausível, dado que o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia explicitamente excluía essa possibilidade. Em vez disso, a confiança total dos investidores nos países que pediam emprestado reflectem outra coisa – uma crença generalizada na capacidade dos governos dos países ricos.
De acordo com esta visão, os países desenvolvidos têm um maior grau de sofisticação orçamental. Eles são sempre capazes de aumentar os impostos de forma a servir a sua dívida. Nos países pobres, pelo contrário, os poderosos interesses próprios frequentemente resistem a impostos mais elevados nos mais ricos e a pobreza generalizada torna difícil impor impostos universais sobre o consumo nos pobres.
Essa lição foi reforçada pela experiencia de incontáveis crises de dívida nos países periféricos, o mais destrutivo dos quais atingiu a América Latina exactamente há 30 anos, depois de um empréstimo extático alimentado por boom económicos. Às vezes estes eram simplesmente boom’s de consumo, ainda que muito do investimento tenha sido alocado indevidamente como resultado das prioridades políticas.
A novidade para o mundo desde 2008 é que, pela primeira vez em mais de uma geração, os países desenvolvidos estão a experienciar uma crise de dívida – e começam a assemelhar-se aos países pobres com instituições fracas. Foi esta apenas uma peculiaridade da Zona Euro, na qual Estados soberanos não controlam as próprias moedas?
A crise da dívida europeia produziu uma profunda divisão na opinião política – e também económica. Aqueles que enfatizam a singularidade histórica da solução monetária europeia insistem que outros países – que controlam as próprias moedas – não poderiam cair em tais apuros. Aqui a tese estatística é reflectida na sua forma mais audaciosa: não pode haver uma greve de obrigações nos Estados Unidos ou no Reino Unido porque os seus bancos centrais têm à sua disposição uma panóplia completa de ferramentas políticas – incluindo operações não-convencionais – necessárias para assegurar que dívida monetizada.
Esta teoria contraria muita da experiencia histórica, bem como a abordagem prevalecente para o banco central que surgiu na década de 1990. De acordo com esta visão, os investidores punem Estados extravagantes ao exigirem taxas de juro mais elevadas para se proteger contra a possibilidade de inflação; por isso a melhor forma para garantir baixos custos de financiamento é dar aos bancos centrais a maior independência possível dos políticos e depois fazer da estabilidade o seu primeiro mandato.
O Banco Central Europeu (BCE) é provavelmente a expressão mais perfeita desta filosofia. A sua independência é garantida não apenas pela legislação nacional de cada estado-membro, mas também pelo tratado que existe entre eles. Os tratados são mais vinculativos que as legislações nacionais porque eles são mais difíceis de revogar, retificar e anular.
Dado que as dívidas das grandes empresas – no Reino Unido e nos Estados Unidos – são financiadas externamente, o argumento que os seus governos podem sempre monetizar a dívida não está a convencer. O momento em que os investidores estrangeiros não acreditem que os activos em libras ou em dólares estão protegidos contra a inflação pode chegar e, nessa altura, a vontade dos investidores em manter activos em libras ou em dólares com baixas taxas de juro vai acabar.
A reflexão por detrás da abordagem da política monetária da década de 1990 é ainda fundamentalmente válida mas exige fortalecimento institucional. Seria melhor parar com o pêndulo ideológico do século XX e voltar a alguns preceitos antigos. Ambos os Estados e os mercados trabalham bem apenas quando adequadamente aplicadas as normas legais de forma a que seja dada a segurança necessária."
Harold James
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