sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Os danos colaterais do resgate da Europa

"A Zona Euro encontra-se agora no seu sexto ano de crise – e de esforços por parte do Banco Central Europeu e da comunidade internacional para lhe darem um fim. Os responsáveis políticos estão enredados num intervencionismo crescente que, como disse o primeiro-ministro britânico, David Cameron, pode alterar a Zona Euro “tornando-a irreconhecível”, e que viola as regras económicas e políticas básicas da Europa.

A reivindicação mais recente, expressada pelo presidente francês, François Hollande, é a de que o BCE manipule a taxa de câmbio. Hollande está alarmado com a rápida valorização do euro, que subiu de 1,21 dólares no final de Julho de 2012 para 1,36 dólares no início de Fevereiro deste ano. O fortalecimento da taxa de câmbio está a colocar uma pressão adicional sobre as frágeis economias do sul da Europa e de França, o que prejudica a sua já escassa competitividade.

O crédito barato que se seguiu à introdução do euro alimentou uma bolha económica inflacionária no sul da Europa, que rebentou quando surgiu a crise financeira. As condições de crédito pioraram bruscamente, e o que restou foram economias excessivamente dependentes do financiamento externo.

A economia francesa está a ser afectada, por sua vez, porque os parceiros da Europa do sul estão com problemas. De acordo com um estudo do Goldman Sachs, a economia francesa teria de desvalorizar cerca de 20% em relação à média da Zona Euro, e cerca de 35% em relação à Alemanha, para restaurar a sustentabilidade da sua dívida externa.

O BCE e a comunidade internacional – em particular, o Fundo Monetário Internacional – têm tentado lidar com a crise, substituindo a escassez de capital privado com crédito público. O BCE dirigiu os refinanciamentos de créditos e emissão de moeda para o sul da Europa e Irlanda. No entanto, ao fazê-lo pôs-se em perigo, porque a única forma de implementar essa mudança foi reduzindo os requisitos de garantia de refinanciamento de crédito. Em grande medida, essa garantia consistiu em títulos de dívida soberana.

Para travar o deslize destes títulos – e portanto, para se salvar a si próprio – o BCE comprou essas obrigações do Estado e anunciou que, se necessário, o faria de forma ilimitada. Ao mesmo tempo, foi desenhado o Mecanismo Europeu de Estabilidade para salvaguardar os Estados e os bancos.

Essas garantias conseguiram acalmar os mercados e reconduziram os fluxos de capital do núcleo da Zona Euro para a periferia. Mas o capital está a fluir também de outros países. Manter euros e adquirir valores denominados em euros tornou-se novamente atractivo em todo o mundo, o que empurrou a taxa de câmbio para cima e causou novas dificuldades.

Aqui, convém dizer que a manipulação da taxa de câmbio do iene pelo Banco do Japão tem desempenhado um papel menor, apesar da forte condenação dessa política por parte do presidente do Bundesbank, Jens Weidmann. A intervenção japonesa não pode explicar a revalorização do euro face ao dólar e muitas outras divisas.

O BCE pode frear a apreciação do euro através da compra de moedas estrangeiras. Mas, em última instância, teria de fazê-lo inflacionando a sua própria moeda até que a confiança no euro volte ao nível que tinha antes de serem feitas as garantias.

Foi por essa razão que o presidente do BCE, Mario Draghi, rejeitou a sugestão de Hollande quase instantaneamente. Draghi está bem consciente das enormes somas que foram perdidas nas décadas de 1970 e 1980, depois do colapso do sistema de Bretton Woods, em intervenções inúteis e caras para estabilizar a taxa de câmbio, e não quer pôr em risco a meta do BCE de manutenção da estabilidade dos preços.

A apreciação do euro revela claramente os enormes danos colaterais causados pela política de resgate da Europa. As medidas adoptadas até agora abriram canais de contágio desde as economias periféricas afectadas pela crise até ao núcleo da Europa, colocando os contribuintes e pensionistas das economias do centro em grande risco financeiro, ao mesmo tempo que impedem a recuperação a longo prazo dos próprios países em dificuldades.

É verdade que a política europeia de resgate estabilizou as finanças públicas e baixou as taxas de juros para as economias mais endividadas. Mas ela também conduziu à valorização da moeda e, assim, a uma menor competitividade em todos os países da Zona Euro, o que pode ainda transformar-se num desastre para o sul da Zona Euro e para França. E para o próprio euro.

As operações de resgate do BCE têm impedido a depreciação interna – preços mais baixos para os activos, mão-de-obra e bens – que as economias em apuros precisam para atrair novos capitais privados e recuperar a competitividade, enquanto a apreciação do euro está agora a agravar o problema. Em suma, a política europeia de resgate está a tornar o problema mais grave da Zona Euro – a profunda perda de competitividade dos países em dificuldades – ainda mais difícil de resolver. "

Hans-Werner Sinn

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