London Calling.
As «Spanish Bombs» voltaram a cair num mundo sedento de «Death or Glory», mais preocupado com o «Brand New Cadillac» do que com «The Right Profile». Voltamos a sentir-nos «Lost in the Supermarket» mas firmes na tentação de um «Lover's Rock» e à procura da «Revolution Rock» que pouco sentido faz quando se refere apenas a «The Guns of Brixton». Valha-nos a energia de «Koka Kola» ou a fúria de «The Card Cheat» e o swing de «Wrong'em Boyo». Há dias em que nos sentimos novamente «Hateful» mas as seduções ácidas de «Jimmy Jazz» trazem-nos à memória paisagens serenas de «Train in Vain». Mas o apelo de «London Calling» leva-nos de volta à luta.
Vinte e cinco anos depois o melhor disco da história do rock entra-nos pela memória adentro como uma torrente de lava endiabrada e revolta, qual memória fresca dos tempos de uma revolução impossível. Vinte cinco anos depois revisita-se o passado com o doce sabor de dever cumprido e a recordação de tempos míticos, onde a vontade de descobrir o mundo esbarrava com a falta de oportunidades e de dinheiro. Vinte cinco anos depois o velho duplo LP com a capa em mau estado e os discos já gastos - guardados como um registo sagrado em sacos mantidos intactos através de fita-cola amarelecida e velha - ganha uma nova vida. Era o tempo dos discos CBS, editados em Portugal pela Rádio Triunfo.
Agora, é o tempo de uma revisitação em formato de luxo. «London Calling», uma das obras-primas dos Clash - a outra é «Sandinista» - acabou de ser reeditado em versão duplo-cd com mais um DVD chamado «O último testamento» porque revela, pela primeira vez, algumas das sessões de gravação de material que viria a fazer parte de «London Calling». Através das imagens percebemos melhor o mundo de Joe Strummer (já falecido), Mick Jones, Paul Simonon e Topper Headon e também do lunático produtor Guy Stevens, o provocador de serviço. Com esta edição, o disco dos Clash ganha uma nova vida, uma dimensão hig tech mas não a eternidade, porque essa já lá está desde 1979, ano de lançamento do original.
O novo London Calling vale principalmente por «The Vanilla Tapes», gravações que se julgavam perdidas e que constituem uma espécie de «London Calling» em estado puro. É possível ouvir fabulosas versões de «Lover's Rock», «Death or Glory» e «I'm Not Down» mas também versões incríveis de outros temas do disco como, por exemplo, «Koka Kola, Advertising & Cocaine» («Koka Kola» no original) e «The Police Walked In 4 Jazz» («Jimmy Jazza», no original). Há ainda cinco novas canções, entre as quais uma versão de um tema de Bob Dylan, «The Man in Me». O local onde estas demos foram gravados, chamado precisamente Vanilla, em Pimlico, já não existe o que acentua ainda mais a carga mítica do CD. Obviamente que o som não é de grande qualidade mas o disco vale pela raridade do material.
Vinte cinco anos depois «London Calling» leva-nos outra vez de volta a peregrinações genuínas de outros tempos, muitas vezes insensatas, excessivas e líricas mas honestas e de convicções absolutas. O que ficou desses tempos, o que ficou dos Clash, desde «Janie Jones» até «Death is a Star», foi uma vontade enorme de liberdade, um desejo imenso de independência, uma permanente rejeição de meias-verdades, hipocrisias e falsos moralismos, uma atracção irresistível pela verdade doa o que doer. O que ficou desses tempos foi um código de valores, princípios, solidariedades, devoções, amores e força vital, mas nunca de obediências cegas.
Hermínio Santos.
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