sexta-feira, novembro 12, 2004

Democracia 1.

"Nos dias de hoje, para uma nação ser reconhecida como civilizada, precisa necessariamente embutir a palavra "democracia" na denominação do regime de governo ou no próprio nome do país. É por essa razão que a primeira medida tomada por Laurent Kabila, o obstinado guerrilheiro recentemente empossado governante do ex-Zaire, foi rebaptizar o nome do país para República "Democrática" do Congo. Assim, mais uma nação veio se juntar ao rol de várias outras já convertidas, como: Argélia, Coreia do Norte, Laos, Somália, Sri Lanka...

Que esses países, nem de longe, respeitem o princípio básico da liberdade, não faz diferença aos seus governantes nem à comunidade internacional. Ao se rotularem de democráticos, eles galgam o primeiro degrau indispensável para atingir o patamar de nações confiáveis, podendo exercer a partir daí algumas prerrogativas exclusivas: comércio em condições mais favoráveis, assistência económica e militar, bênçãos elogiosas dos Estados Unidos — investido como guardião da democracia — e sua corte europeia. Essa situação grotesca põe à mostra, com suficiente nitidez, o verdadeiro pilar sobre o qual se assenta o regime democrático em todo o planeta: a hipocrisia. A democracia está fundamentada na hipocrisia. Tudo o que se relaciona com esse regime político, em última instância, desemboca em algum argumento hipócrita. Nada mais é do que hipocrisia quando se diz que o povo é sábio. Não é. A maior parte, portanto a parcela que elege os dirigentes, se comporta como um indolente rebanho bovino, tocado para lá e para cá pelos capatazes políticos através de promessas que nunca se cumprirão.

Somente hipocrisia reside nas expressões comuns à prática democrática: "barganha política", "base parlamentar de apoio", "compatibilização de interesses"... Todas eufemismos para corrupção pura e simples. Não passa de hipocrisia quando se diz que o poder é exercido em nome do povo. Os congressos e os parlamentos eleitos com essa função nos países democráticos são tumores nacionais, os quais, insuficientemente tratados a cada eleição, voltam a crescer, para disseminar com empenho redobrado a metástase da corrupção. Como se pode acreditar que será longa a sobrevida de um organismo assim debilitado?

De facto, o único alento que se extrai de todo esse quadro deprimente é o saber de que a democracia vai se extinguir infalivelmente. Não se trata de uma afirmativa leviana nem tampouco de uma profecia sem fundamento, mas tão somente da antevisão de um processo inevitável, natural e automático de depuração. Tudo quanto é errado, nocivo ou inútil não pode se manter indefinidamente. Aquilo que não se adapta a certas leis básicas, ou leis naturais, não pode perdurar, quer se trate da natureza como tal, do próprio ser humano que dela faz parte e de tudo quanto ele inseriu no mundo, sejam modos de vida, doutrinas económicas, sistemas religiosos e filosóficos, ou regimes políticos.

O mesmo processo ou lei que actuando automaticamente varreu do planeta em determinada hora o sistema comunista, por ser errado e insano, que fez cair por terra (e continua a fazê-lo) todos os regimes do espectro político baseados na força e na opressão, este mesmo processo desintegrará também o corrupto sistema democrático, quando o tempo para isso tiver chegado. Melhor dizendo, limpará a Terra desse sistema. A classe política remanescente terá necessariamente de redireccionar seus objectivos e procedimentos, ajustando-os a princípios bem diferentes dos actuais, pois caso contrário não será remanescente. O regime político do futuro se aproximará mais dos exercidos por determinados povos antigos, não por acaso relegados à curiosidade histórica ou completamente esquecidos pelo Homo politicus moderno, essa estranha criatura, que em sua decadência mal pressentida se intitula auto-suficiente, mas que em seus actos se mostra apenas como auto-iludida.

As profundas falhas e contradições existentes na democracia são inerentes a esse sistema político, fazem parte intrínseca de sua constituição. Não irromperam apenas agora, nas últimas décadas, como pode parecer à primeira vista. O que presentemente observamos é a exacerbação desses erros, aperfeiçoados ao máximo pelos seus praticantes contemporâneos, que não têm medido esforços para transformar os países democráticos em ilhas de hipocrisia, cercadas por todos os lados pelo oceano de lama da corrupção.

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