Inimigos íntimos.
"John Kerry perdeu as eleições porque o medo que teve de as perder foi superior à vontade de as ganhar. É algo de muito comum e, no caso do candidato democrata, parece-me ser mais um traço de personalidade do que uma falha momentânea originada pela pressão do momento.
Eis a questão mais perturbadora nestas eleições. É nos momentos-limite - e como este era um desses momentos - que surgem os líderes mais carismáticos. Escrevi há muitos meses, ainda antes da definição dos candidatos democratas a estas eleições, que a única coisa boa na presidência de Bush era o provável cerrar de fileiras da oposição de modo a fazer surgir um líder suficientemente forte para apagar os traumas e começar a reconstruir o futuro. Mas das brumas acabou por aparecer o apagado Kerry e, nessa aparição, podemos desenhar a metáfora de um tempo doloroso. Um tempo onde os homens de convicções, paixão e carisma já não dizem «presente». E já não o fazem mesmo quando os momentos são de excepcional dificuldade.
Mais três factores, menos importantes, foram decisivos nesta derrota. O primeiro tem que ver com o estilo de campanha, e disso Kerry não tem qualquer culpa, de um sector ultra-radical contra George W. Bush. Cada aparição do agitador Michael Moore significou para Kerry muito mais votos perdidos do que ganhos. O americano comum, sem conotação ideológica, não gosta de excessos nem de críticas que coloquem em causa aquilo que consideram essencial. O eleitor médio do interior, sem ambições cosmopolitas, ligou imediatamente Kerry ao radicalismo chique e panfletário de Moore ou ao empenho dos jovens artistas mais populares, como Eminem, que insultaram Bush e, com isso, afastaram uma grande faixa de indecisos.
O segundo ponto passa por uma verdade mais feita do que verdadeiramente real: a de que o mundo, se pudesse eleger o presidente americano, escolheria em larga massa John Kerry. Esse factor interferiu, decerto, com parte do eleitorado que acabou por escolher Bush. Passou a ser claro que se o mundo está contra Bush, então é porque esta administração está a defender bem os interesses americanos...
Não podemos esquecer que nos Estados Unidos a questão da bondade das intenções deste presidente nunca se colocou de uma forma relevante por Kerry, a questão passou sempre pelas duas mentiras que caucionaram a intervenção no Iraque (armas de destruição maciça e ligações de Saddam a Bin Laden) e nunca acerca de uma política externa virada para a vingança cega ao 11 de Setembro, o combate às tentativas europeias de criação de um contrapoder e os negócios muito escuros do petróleo.
O terceiro factor, e tenho de confessar o meu erro de avaliação, passa por Bin Laden. Estava convencido de que, muito provavelmente, o principal beneficiado da sua aparição seria Kerry. Um erro imperdoável de análise. É que Bush e o terrorista da Al-Qaida são faces opostas da mesma moeda ou, talvez mais apropriado, uma espécie de inimigos íntimos. E no subconsciente dos americanos, hipnotizadas pelo medo e pela contaminação do terror, o único homem que pode caçar o inimigo público da América é Bush. Isto é: Bin Laden precisa de Bush para continuar a ser tratado como um monstro que é necessário exterminar (e com isso aproveita para espalhar as suas mensagens de ódio e organizar exércitos de fanáticos), e Bush precisa de Laden para legitimar a sua política totalitária e radical.
Nos próximos quatro anos o mundo saberá que as portas do inferno estão abertas e que há demasiados monstros à solta. Esperemos que alguém as feche. Enquanto é tempo."
LUÍS OSÓRIO
Eis a questão mais perturbadora nestas eleições. É nos momentos-limite - e como este era um desses momentos - que surgem os líderes mais carismáticos. Escrevi há muitos meses, ainda antes da definição dos candidatos democratas a estas eleições, que a única coisa boa na presidência de Bush era o provável cerrar de fileiras da oposição de modo a fazer surgir um líder suficientemente forte para apagar os traumas e começar a reconstruir o futuro. Mas das brumas acabou por aparecer o apagado Kerry e, nessa aparição, podemos desenhar a metáfora de um tempo doloroso. Um tempo onde os homens de convicções, paixão e carisma já não dizem «presente». E já não o fazem mesmo quando os momentos são de excepcional dificuldade.
Mais três factores, menos importantes, foram decisivos nesta derrota. O primeiro tem que ver com o estilo de campanha, e disso Kerry não tem qualquer culpa, de um sector ultra-radical contra George W. Bush. Cada aparição do agitador Michael Moore significou para Kerry muito mais votos perdidos do que ganhos. O americano comum, sem conotação ideológica, não gosta de excessos nem de críticas que coloquem em causa aquilo que consideram essencial. O eleitor médio do interior, sem ambições cosmopolitas, ligou imediatamente Kerry ao radicalismo chique e panfletário de Moore ou ao empenho dos jovens artistas mais populares, como Eminem, que insultaram Bush e, com isso, afastaram uma grande faixa de indecisos.
O segundo ponto passa por uma verdade mais feita do que verdadeiramente real: a de que o mundo, se pudesse eleger o presidente americano, escolheria em larga massa John Kerry. Esse factor interferiu, decerto, com parte do eleitorado que acabou por escolher Bush. Passou a ser claro que se o mundo está contra Bush, então é porque esta administração está a defender bem os interesses americanos...
Não podemos esquecer que nos Estados Unidos a questão da bondade das intenções deste presidente nunca se colocou de uma forma relevante por Kerry, a questão passou sempre pelas duas mentiras que caucionaram a intervenção no Iraque (armas de destruição maciça e ligações de Saddam a Bin Laden) e nunca acerca de uma política externa virada para a vingança cega ao 11 de Setembro, o combate às tentativas europeias de criação de um contrapoder e os negócios muito escuros do petróleo.
O terceiro factor, e tenho de confessar o meu erro de avaliação, passa por Bin Laden. Estava convencido de que, muito provavelmente, o principal beneficiado da sua aparição seria Kerry. Um erro imperdoável de análise. É que Bush e o terrorista da Al-Qaida são faces opostas da mesma moeda ou, talvez mais apropriado, uma espécie de inimigos íntimos. E no subconsciente dos americanos, hipnotizadas pelo medo e pela contaminação do terror, o único homem que pode caçar o inimigo público da América é Bush. Isto é: Bin Laden precisa de Bush para continuar a ser tratado como um monstro que é necessário exterminar (e com isso aproveita para espalhar as suas mensagens de ódio e organizar exércitos de fanáticos), e Bush precisa de Laden para legitimar a sua política totalitária e radical.
Nos próximos quatro anos o mundo saberá que as portas do inferno estão abertas e que há demasiados monstros à solta. Esperemos que alguém as feche. Enquanto é tempo."
LUÍS OSÓRIO
1 Comments:
Excellent, love it! » »
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