"Cães de Guarda"
"Num tom acutilante e agressivo, pouco usual na magistratura, a direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) redigiu ontem um editorial a lançar duras acusações aos directores dos jornais diários, nomeadamente do Diário de Notícias e do Público, que vão desde a falta de independência intelectual à tentativa de condicionar a Justiça e o poder político. E chega mesmo a comparar aqueles directores a "cães de guarda", embora recorrendo à citação de outros autores (mais aqui).
"Não foi pois por acaso que alguns destes artigos insultuosos foram escritos neste momento. Eles têm uma intenção precisa de condicionamento, não só dos magistrados, mas, também e principalmente, dos agentes políticos que hão-de consubstanciar o “Pacto” em leis e medidas concretas. Eles procuram, por isso, dividir os “bons” dos “maus” e determinar, a partir dessa distinção, quais as boas e as más decisões políticas e judiciais, legitimando-as ou não em função daqueles interesses.
Serge Halimi, um conhecido jornalista francês, fazendo referência, em obra recente, a um ensaio de Paul Nizan, caracteriza os media do seu país como Les Nouveaux Chiens de Garde. Pretende ele, rebatendo a ideia da subsistência da tradicional autonomia intelectual dos media, que, conhecendo-se as ligações e dependências económicas, familiares, políticas de directores de jornais e televisões e dos seus principais jornalistas e comentadores ou, até, dos convidados a participar, normalmente, nos diferentes programas, não nos podemos espantar com o uniforme e militante sentido ideológico da mensagem veiculada pela maioria desses órgãos de comunicação. No entanto, talvez que o ensinamento que melhor possamos retirar do que Halimi ali expõe se contenha numa afirmação de Noam Chomsky que, perguntado como é que a elite controla os media, terá respondido: «Como controla ela a General Motors? A questão não se coloca. Ela pertence-lhe.»
Mas, se esta é, porventura, a explicação mais óbvia e cruel para o panorama do condicionante e agressivo discurso monolítico que os media de hoje e os seus donos nos querem impor, importa, precisamente, encontrar para ele uma resposta. Esta terá de traduzir-se numa atitude cívica e moral de reflexão, crítica, abertura e discussão ampla e socialmente participadas sobre a Justiça, as magistraturas e as suas dificuldades e omissões, não cedendo, em caso algum, às falsas lisonjas ou permitindo a submissão e o medo a que nos querem obrigar.
Recordemos, por isso, os versos de um poema já antigo de Félix Cucurull, um poeta catalão amigo de Portugal: «Não me engraxem os sapatos /nem me cortem o cabelo (…) hoje vomitei / as côdeas que me deram. /A esmola dava-me volta / ao estômago e deixava-me / um gosto amargo na boca. (…) / Porém rejeito o preço / que nos querem impor / estes homens que ladram / pela boca dos seus cães.»
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