terça-feira, outubro 23, 2007

A culpa é dos bancos centrais.

"O crédito é importante para a política monetária, facto perante o qual muitos banqueiros centrais mantêm uma postura de negação.

Dois meses após o início da crise do mercado de crédito, os responsáveis pela política monetária chegaram a um consenso quanto às suas causas: complexidade de alguns dos instrumentos, deficiências ao nível dos modelos matemáticos, má gestão do risco e, obviamente, o papel das agências de notação. Por outras palavras: causas terceiras.

Pessoalmente, acredito que todos estes factores contribuíam para a referida crise. Mas, culpar as agências de notação é o mesmo que responsabilizar os lojistas pela inflação. Se tentarmos encontrar uma causa para esta bolha do mercado do crédito, sem dúvida uma das maiores de todos os tempos, então teremos que olhar para lá de tudo isto e não nos limitarmos a analisar apenas o papel de algumas agências de notação. Acredito que o crescimento exponencial dos derivados de crédito e das obrigações com dívida colateral entre 2004 e 2006 foram provocados pela política monetária adoptada entre 2002 e 2004.

A dada altura entre 2002 e 2004, os EUA e a Europa foram palco de cenários de taxas de juro reais negativas - taxas nominais ajustadas a expectativas de uma inflação baixa. A partir de 2003 e até 2004, a taxa dos fundos do Fed situou-se em 1%. Na Europa, as taxas de juro nominais a curto prazo atingiram um nível bastante baixo, ou seja 2%, entre 2003 e 2005.

Taxa de juro real negativa é um conceito preocupante. Significa que quem tem acesso ao crédito a essa taxa - neste caso os bancos comerciais - pode ter todo o interesse em contrair empréstimos de montantes infinitos. Os indivíduos e as empresas contraem geralmente empréstimos a taxas mais elevadas mas, quanto mais as taxas de juro se aproximarem do zero, mais incentivos as pessoas terão para assumirem grandes montantes de empréstimo. Num mundo de mercados de crédito perfeitos esperar-se-ia que a existência de taxas de juro reais negativas durante um longo período de tempo provocasse uma bolha no crédito. Os economistas estão aparentemente perplexos com o facto de algo que só deveria acontecer em teoria estar agora a acontecer na prática.

Nos anos 90, quando os mercados de crédito estavam muito menos desenvolvidos, a existência de taxas de juro reais negativas não teve este impacto catastrófico. Isto porque, mesmo que alguém tivesse incentivos para contrair empréstimos de montantes infinitos, os bancos pura e simplesmente não os concediam.

A ideia por trás da titularização consiste em permitir aos indivíduos e às pequenas e médias empresas acesso indirecto aos mercados de capitais. Juntavam-se os pequenos empréstimos, repartiam-se em tranches com diferentes perfis de risco e depois vendiam-se aos investidores. Com isto estava-se a garantir que quem não tinha acesso ao crédito passava, de repente, a estar em condições de pedir um empréstimo. E significava que havia mais crédito para todos.. Por outras palavras, a inovação nos mercados de crédito tornou estes mercados mais perfeitos.

Este mundo de dívida titularizada veio para ficar. As obrigações de dívida colateralizada não podem ser agora desinventadas. Vamos assistir a alterações ao nível da regulação, a um maior controlo sobre os vendedores de hipotecas e sobre as agências de notação e a exigências quanto à adopção de novas regras de transparência. A vingança pode ser cruel. Mas a via que permite que as taxas de juro reais negativas possam vir a traduzir-se em bolha do crédito continuará aberta.

Tudo isto coloca sérios entraves à política monetária no futuro. De lembrar que a Reserva Federal norte-americana e o Banco Central Europeu não pretendiam provocar uma bolha do crédito. Adoptaram uma política monetária para estabilizar algumas medidas por si preconizadas no que toca à inflação. Nenhuma destas instituições apontou directamente à inflação, como aconteceu com o Banco de Inglaterra e com o Swedish Riksbank.

Há alguns anos atrás o Riksbank deparou-se com uma combinação de inflação baixa e com uma situação de bolha provocada pela escalada dos preços do imobiliário. Mas, ao contrário do Fed, o Riksbank adoptou taxas de juro mais altas do que os objectivos em matéria de inflação preconizavam, aproximando assim a inflação do alvo.

Tal como o Riksbank, os demais bancos centrais terão que encontrar formas de atentarem melhor na questão do dinheiro, do crédito e dos preços dos activos. Não significa que devam apontar para índices de preços de activos ou “rebentar bolhas” ou que devam seguir regras estáticas em matéria de moeda em circulação. Precisam sim de atentar muito mais nos canais de crédito do que no passado, corrigindo as suas avaliações políticas de acordo com a situação.

Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra disse um dia, numa afirmação que ficaria famosa, que uma boa banca central é uma coisa “entediante”. Foram os banqueiros centrais entediantes que nos colocaram nesta situação. No futuro vamos querer mais pessoas de outra índole e que não sejam entediantes.

Está na altura de retirar a principal ilação desta crise, ou seja, que o crédito é importante para a política monetária, facto perante o qual muitos banqueiros centrais mantêm uma postura de negação.
"

Wolfgang Munchau

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sempre interessante, Munchau.As taxas de juro reais negativas corroiem a poupança e a capacidade de fazer render o dinheiro ,sem ser pela especulaçaõ imobiliária.Tambem quando os bancos centrais sobem as taxas ,muitos "especialistas",para alem dos politicos,fazem que não percebem que o crescimento dos meios financeiros disponiveis cresceram muito acima da inflaçaõ nominal.O dinheiro tem estado muito barato e essa é uma das causas do problema, a juntar á falta de credibilidade do sistema bancário...

quarta-feira, outubro 24, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Sempre interessante, Munchau.As taxas de juro reais negativas corroiem a poupança e a capacidade de fazer render o dinheiro ,sem ser pela especulaçaõ imobiliária.Tambem quando os bancos centrais sobem as taxas ,muitos "especialistas",para alem dos politicos,fazem que não percebem que o crescimento dos meios financeiros disponiveis cresceram muito acima da inflaçaõ nominal.O dinheiro tem estado muito barato e essa é uma das causas do problema, a juntar á falta de credibilidade do sistema bancário...

quarta-feira, outubro 24, 2007  

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