sexta-feira, outubro 19, 2007

Um erro caro

"Medidas que reduzem as emissões de CO2 não diminuem necessariamente a dependência do petróleo.

A apresentação das linhas gerais da política de energia da UE, feita pelo comissário Andris Pielbags no Lisbon Energy Forum 2007, surpreendeu pelo optimismo. Não é um bom sinal, antes sugere que os políticos europeus estão pouco conscientes das inconsistências e limitações da política proposta.

A política europeia assume que os objectivos ambientais e de segurança na oferta de energia são complementares. Mas essa complementaridade não é evidente: medidas que reduzem as emissões de CO2 não diminuem necessariamente a dependência do petróleo. Por exemplo, uma forma simples de reduzir a dependência petrolífera consiste em aumentar a produção de energia a partir do carvão, combustível fóssil onde países como os EUA, China, Índia ou Austrália se contam entre os maiores produtores mundiais. Sucede que as emissões de CO2 decorrentes da produção de energia a partir do carvão são o dobro das geradas pelo petróleo.

A resposta da UE é o estabelecimento de “metas” para a utilização de combustíveis biológicos: de forma a reduzir as emissões de CO2 em 20% até 2020, a quota dos combustíveis biológicos deverá aumentar em 20%. Para o conseguir, a UE pretende gastar verbas enormes em subsídios à produção de biofuel – em 2006 a UE gastou mais de 3700 milhões de euros nestes subsídios. Supor que uma estrutura política e burocrática altamente centralizada é capaz de identificar correctamente as tecnologias de sucesso a longo prazo é absurdo. Mas levemos a ideia a sério: o que é que o dinheiro dos europeus compra? Segundo um estudo recente, o custo fiscal necessário para reduzir numa tonelada as emissões de CO2 através de subsídios ao biofuel permitiria adquirir títulos equivalentes a mais de 20 toneladas de emissões de CO2 no European Climate Exchange. O valor é sugestivo da baixíssima eficácia dos subsídios europeus aos combustíveis biológicos.

Os países ocidentais dispõem de uma tecnologia de produção de energia que permite conciliar os objectivos de sustentabilidade ambiental e de segurança da oferta: a energia nuclear. O nuclear permanece um impronunciável político, em parte pela percepção da opinião pública. Num relatório Eurobarómetro publicado em Fevereiro, 53% dos inquiridos consideravam que os riscos associados à energia nuclear não compensavam os benefícios. Mas a discussão das alterações climáticas poderá ajudar a mudar as percepções dos europeus, aumentando a proporção dos que consideram preferíveis os riscos mensuráveis decorrentes da operação de centrais nucleares à incerteza imensurável associada às alterações climáticas.

O debate político europeu em torno da energia nuclear distingue-se sobretudo pelas manifestações de irracionalidade. O comissário Pielbags entende que a UE deve gerar 30% da sua electricidade a partir de centrais nucleares – um eurocrata prevenido tem sempre uma percentagem na ponta da língua. Enquanto isso, os alemães, que por acaso produzem cerca de 30% da electricidade consumida em centrais nucleares, decidiram eliminar o nuclear até 2020. Wulf Bernotat, o presidente da E.ON, associada da Gazprom na construção do pipeline Báltico, disse que o nuclear era um “assunto muito religioso (sic)” na Alemanha. Não se percebe de que forma a Alemanha pretende suprir os 30% de electricidade nuclear sem colocar o pescoço no “cepo de Gazputin”, mas pelo menos as dúvidas quanto à irracionalidade no debate ficaram esclarecidas.

Já a preferência política pela subsidiação dos combustíveis biológicos não é definitivamente um caso de irracionalidade e percebe-se melhor considerando um elemento aparentemente inconsistente: enquanto subsidia o biofuel, a UE mantém uma elevada tarifa sobre a importação de etanol. Esta tarifa penaliza sobretudo as importações de etanol brasileiro – o produtor mundial mais competitivo. Acresce que o proteccionismo pautal elimina boa parte dos incentivos à inovação tecnológica na produção de combustíveis biológicos que a Comissão Europeia garante pretender. Este elemento revela a verdadeira natureza da política de energia: ela é, afinal, uma espécie de nova PAC, um pretexto político para continuar a distribuir subsídios pelos agricultores europeus.

Se calhar Bernotat tem razão e na Europa pós-cristã as questões relacionadas com a energia e o ambiente assumiram um carácter “religioso”. Mas a política proposta é um erro caro e perigoso. Mesmo que os europeus pretendam expiar o “pecado” da poluição, haverá formas de contrição mais baratas e menos arriscadas
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Fernando Gabriel

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