18 anos depois...
"Os Estados Unidos serão o principal objecto da retórica provocatória de Putin, até porque ajuda a dividir os europeus.
Fez na passada sexta-feira 18 anos que o Muro de Berlim foi derrubado por cidadãos a lutar pela sua liberdade. 9 de Novembro de 1989: a data que marcou politicamente a minha geração em todo o mundo ocidental. Procurei em muita imprensa europeia, inglesa, francesa, belga e portuguesa, e não encontrei um único artigo a celebrar a data. Sinais dos tempos. Por vezes, parece que uma parte do mundo se cansou de liberdade e de democracia. Estão a voltar os tempos das identidades, religiosas e nacionais, e aqueles que teriam a obrigação de combater as suas formas violentas e autoritárias andam fatigados e já não querem lutar pelos seus valores. No meio destes ventos ideológicos negativos e causadores de algum pessimismo, há ainda umas quantas boas notícias.
Chegam-nos, precisamente, dos países que mais beneficiaram com a queda do império soviético. Apesar de subsistirem problemas políticos e sociais, o “regresso” à Europa dos antigos países comunistas foi um sucesso. Desde 1989, as suas economias não param de crescer. Por exemplo, a economia polaca cresce quase tanto (7% em 2007) como a chinesa. Politicamente, a democracia pluralista consolidou-se mais rapidamente do que muitos previam no início dos anos de 1990. As últimas eleições na Polónia demonstraram o apego dos polacos à liberdade e os limites de um discurso xenófobo e isolacionista.
Se na “nova Europa” as notícias são positivas, o mesmo não se pode dizer dos países da antiga União Soviética. Na Bielorrússia, consolidou-se a ditadura. Na Ucrânia e na Geórgia, a situação política continua muito instável. E a Rússia está de regresso ao autoritarismo. Noventa anos depois de 1917, o retorno à “ditadura de um só partido” vai concluir-se no próximo dia 3 de Dezembro, data das eleições legislativas. Depois disso, até às eleições presidenciais de Março de 2008, Putin irá decidir se será primeiro-ministro, apenas líder do partido único, e portanto o grande “líder nacional”, ou se acabará por seguir os apelos “espontâneos” que surgem em toda a Rússia para cumprir um terceiro mandato presidencial. Desta vez, ao contrário do que aconteceu no princípio do século XX, não é através da revolução mas através da “democracia”, explorando o ressentimento nacionalista contra o “Ocidente”, que se chega à ditadura. Hitler, e não Lenine ou Trosky, foi desta vez o “mestre”. Um dia gostaria de perceber a razão de tanta “compreensão”, principalmente por parte de muitos que sempre foram grandes defensores da democracia e da liberdade. Será que os direitos políticos dos russos têm um valor inferior aos de outros europeus?
A necessidade de relações estáveis com um grande vizinho europeu é, obviamente, o argumento mais usado. Não se questiona a necessidade de estabilidade, a questão é saber se o apaziguamento é a melhor maneira para lá chegar. Por vezes, é possível distinguir o plano interno do externo (não nos intrometemos na vida interna de um país para garantir a estabilidade internacional), mas no caso da Rússia, hoje, não é. A legitimização do autoritarismo de Putin tem dependido de dois factores. Por um lado, o aumento dos preços do petróleo e do gás criou as condições económicas favoráveis que permitem a população russa aceitar um regime autoritário. Por outro lado, a construção de uma “ameaça ocidental”, os Estados Unidos, a NATO ou a Europa, foi igualmente fundamental. É o “anti-ocidentalismo” que alimenta politicamente o autoritarismo de Moscovo. Os Estados Unidos serão o principal objecto da retórica provocatória de Putin, até porque ajuda a dividir os europeus. Mas a Europa será o principal alvo e a vítima central da política anti-ocidental da Rússia. O objectivo será não só dividir a União Europeia, para pagar um preço elevado pelo alargamento a leste (o acontecimento político que mais irrita o regime nacionalista russo), como impedir a emergência de uma política europeia de energia, a qual poderia enfraquecer a maior fonte de poder russo.
Ainda não é absolutamente claro, mas já não falta muito tempo para o ser: ser “pró-Europeu” e defender simultaneamente o apaziguamento em relação a Moscovo será cada vez mais difícil. E não tem nada a ver com os europeus, com o seu espírito bélico ou com a sua boa vontade. Será o resultado da estratégia política de Putin, e a Europa não terá outro remédio senão lidar com isso. Os dezoito anos que passaram desde a queda do Muro de Berlim não prepararam a Europa para enfrentar este desafio estratégico. Mas a força da realidade será imparável."
João Marques de Almeida
Fez na passada sexta-feira 18 anos que o Muro de Berlim foi derrubado por cidadãos a lutar pela sua liberdade. 9 de Novembro de 1989: a data que marcou politicamente a minha geração em todo o mundo ocidental. Procurei em muita imprensa europeia, inglesa, francesa, belga e portuguesa, e não encontrei um único artigo a celebrar a data. Sinais dos tempos. Por vezes, parece que uma parte do mundo se cansou de liberdade e de democracia. Estão a voltar os tempos das identidades, religiosas e nacionais, e aqueles que teriam a obrigação de combater as suas formas violentas e autoritárias andam fatigados e já não querem lutar pelos seus valores. No meio destes ventos ideológicos negativos e causadores de algum pessimismo, há ainda umas quantas boas notícias.
Chegam-nos, precisamente, dos países que mais beneficiaram com a queda do império soviético. Apesar de subsistirem problemas políticos e sociais, o “regresso” à Europa dos antigos países comunistas foi um sucesso. Desde 1989, as suas economias não param de crescer. Por exemplo, a economia polaca cresce quase tanto (7% em 2007) como a chinesa. Politicamente, a democracia pluralista consolidou-se mais rapidamente do que muitos previam no início dos anos de 1990. As últimas eleições na Polónia demonstraram o apego dos polacos à liberdade e os limites de um discurso xenófobo e isolacionista.
Se na “nova Europa” as notícias são positivas, o mesmo não se pode dizer dos países da antiga União Soviética. Na Bielorrússia, consolidou-se a ditadura. Na Ucrânia e na Geórgia, a situação política continua muito instável. E a Rússia está de regresso ao autoritarismo. Noventa anos depois de 1917, o retorno à “ditadura de um só partido” vai concluir-se no próximo dia 3 de Dezembro, data das eleições legislativas. Depois disso, até às eleições presidenciais de Março de 2008, Putin irá decidir se será primeiro-ministro, apenas líder do partido único, e portanto o grande “líder nacional”, ou se acabará por seguir os apelos “espontâneos” que surgem em toda a Rússia para cumprir um terceiro mandato presidencial. Desta vez, ao contrário do que aconteceu no princípio do século XX, não é através da revolução mas através da “democracia”, explorando o ressentimento nacionalista contra o “Ocidente”, que se chega à ditadura. Hitler, e não Lenine ou Trosky, foi desta vez o “mestre”. Um dia gostaria de perceber a razão de tanta “compreensão”, principalmente por parte de muitos que sempre foram grandes defensores da democracia e da liberdade. Será que os direitos políticos dos russos têm um valor inferior aos de outros europeus?
A necessidade de relações estáveis com um grande vizinho europeu é, obviamente, o argumento mais usado. Não se questiona a necessidade de estabilidade, a questão é saber se o apaziguamento é a melhor maneira para lá chegar. Por vezes, é possível distinguir o plano interno do externo (não nos intrometemos na vida interna de um país para garantir a estabilidade internacional), mas no caso da Rússia, hoje, não é. A legitimização do autoritarismo de Putin tem dependido de dois factores. Por um lado, o aumento dos preços do petróleo e do gás criou as condições económicas favoráveis que permitem a população russa aceitar um regime autoritário. Por outro lado, a construção de uma “ameaça ocidental”, os Estados Unidos, a NATO ou a Europa, foi igualmente fundamental. É o “anti-ocidentalismo” que alimenta politicamente o autoritarismo de Moscovo. Os Estados Unidos serão o principal objecto da retórica provocatória de Putin, até porque ajuda a dividir os europeus. Mas a Europa será o principal alvo e a vítima central da política anti-ocidental da Rússia. O objectivo será não só dividir a União Europeia, para pagar um preço elevado pelo alargamento a leste (o acontecimento político que mais irrita o regime nacionalista russo), como impedir a emergência de uma política europeia de energia, a qual poderia enfraquecer a maior fonte de poder russo.
Ainda não é absolutamente claro, mas já não falta muito tempo para o ser: ser “pró-Europeu” e defender simultaneamente o apaziguamento em relação a Moscovo será cada vez mais difícil. E não tem nada a ver com os europeus, com o seu espírito bélico ou com a sua boa vontade. Será o resultado da estratégia política de Putin, e a Europa não terá outro remédio senão lidar com isso. Os dezoito anos que passaram desde a queda do Muro de Berlim não prepararam a Europa para enfrentar este desafio estratégico. Mas a força da realidade será imparável."
João Marques de Almeida
2 Comments:
As posições e os interesses russos revelam uma visão sobre a ordem política europeia. Para Moscovo, as grandes questões estratégicas e políticas da Europa devem decidir-se entre as grandes potências, ignorando a vontade dos pequenos países e das instituições. O grande objectivo estratégico da Rússia é a construção de um sistema político europeu à semelhança do século XIX, onde a igualdade entre os Estados não passava de uma aspiração e o multilateralismo institucional de um sonho de alguns tratados mais visionários. Foi contra este tipo de ordem política que se fez a União Europeia. E nunca como agora, os pequenos países tiveram os seus direitos e interesses reconhecidos. Estamos a chegar a um momento em que vai ser necessário tomar decisões estratégicas em relação à Rússia. Esperemos que não se ignore o essencial.
O que a Rússia está a fazer, e o que Putin fez em Munique, é muito claro: está a tirar benefícios do anti-americanismo e de algum arrependimento em relação a um alargamento rápido que existem hoje na Europa. É por isso que a instalação de um sistema defensivo anti-missíl norte americano na Polónia e na República Checa se está a tornar numa questão política muito sensível. Juntam-se numa decisão estratégica a oposição russa à presença dos Estados Unidos na Europa e ao alargamento das instituições europeias.
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