Liberdade e igualdade
"1. O Inspector-geral da Administração Interna diz que existe muita incompetência na polícia. Julgo que o cidadão comum não tem dúvidas sobre isso. Mas será necessário pensar se a incompetência de que fala o Inspector-geral é a mesma que os cidadãos constatam.
Das poucas vezes em que tentei obter ajuda de uma polícia, as respostas foram sempre do género: “não é nada connosco”, “até gostaríamos de o ajudar, mas não temos meios”, ou “não adianta nada prender os criminosos porque o tribunal volta a pô-los em liberdade”. Não estou a exagerar em nada. Pelo contrário, as respostas literais que me deram foram ainda mais caricatas do que estas respostas tipificadas.
Tudo aquilo que diz respeito à incompetência ou incapacidade das polícias para desenvolver a sua missão é de uma importância extrema. Não pode ser tratado como qualquer outro “caso do dia”. As polícias são o sustentáculo mais visível da liberdade ou, para ser mais rigoroso, das diversas liberdades dos cidadãos. A descrença que todos temos na capacidade das nossas polícias pode transformar-se rapidamente em descrença nas liberdades que as polícias deviam proteger.
Com certeza que em Portugal não estamos tão mal como outros. Mas as fraquezas da polícia permanecem, ou crescem, à medida que os governos se sucedem. Abandonou-se o policiamento de proximidade, há zonas das cidades em que a polícia tem medo de actuar, em muitas áreas a polícia é substituída por empresas privadas de segurança (que são uma espécie de milícias populares profissionalizadas), os negócios ilícitos de protecção – as máfias – crescem a olhos vistos, e por aí adiante.
Nada disto foi dito pelo Inspector-geral, talvez porque excederia a sua competência legal. Mas é nisto que os cidadãos pensam quando pensam na incompetência da polícia.
2. O dr. Soares diz que o Governo deve preocupar-se mais com o combate à pobreza e à desigualdade social. Esse problema não pode, aliás, ser desligado do tema das liberdades, uma vez que as sociedades mais desequilibradas na distribuição da riqueza (como o Brasil, por exemplo) são também aquelas em que a actuação policial é mais problemática e as liberdades dos cidadãos menos protegidas. No entanto, não estou certo que aquilo que o dr. Soares entende por combate à pobreza e desigualdade seja aquilo que deve ser feito.
Uma forma de distinguir as políticas de erradicação da pobreza e promoção da igualdade consiste em separar aquilo a que se chama “distribuição” daquilo a que se pode chamar “redistribuição”. São duas coisas muito diferentes.
A redistribuição é a estratégia de combate à desigualdade mais seguida pelo Estado Providência. Ora, já temos disso em abundância. Pense-se em alguns dos subsídios sociais recentemente criados ou reforçados: rendimento mínimo garantido, complemento social de reforma, ajuda à natalidade para famílias de baixos rendimentos. Esta estratégia corresponde mais a um assistencialismo por parte do Estado do que a algo que se possa chamar “justiça social”. Em termos práticos, essa estratégia tem os dias contados face às dificuldades de financiamento do Estado Providência.
A alternativa à redistribuição é a distribuição. A distribuição não é operada pelo aparelho burocrático do Estado Providência, mas pelas próprias regras do jogo económico e social. A distribuição não tem a ver com subsídios concedidos pela segurança social a instituições ou indivíduos concretos, mas com a dispersão da propriedade e do capital social pelo conjunto da sociedade. De uma forma simples, pode-se dizer que o combate à pobreza e à desigualdade pela via distributiva – enquanto distinta da via redistributiva – implica uma sistema fiscal mais enviesado a favor dos mais pobres, o acesso efectivo – não meramente legal – à educação e formação profissional, a abertura das profissões e funções que continuam a ser corporativamente protegidas, uma Inspecção do Trabalho actuante, a existência de regras de mercado verdadeiramente concorrenciais e fortemente anti-monopolistas, e algumas coisas mais.
Se, por mero acaso, fosse isso que o dr. Soares queria dizer quando falou do combate à pobreza e à desigualdade, eu estaria totalmente de acordo. "
João Cardoso Rosas
Das poucas vezes em que tentei obter ajuda de uma polícia, as respostas foram sempre do género: “não é nada connosco”, “até gostaríamos de o ajudar, mas não temos meios”, ou “não adianta nada prender os criminosos porque o tribunal volta a pô-los em liberdade”. Não estou a exagerar em nada. Pelo contrário, as respostas literais que me deram foram ainda mais caricatas do que estas respostas tipificadas.
Tudo aquilo que diz respeito à incompetência ou incapacidade das polícias para desenvolver a sua missão é de uma importância extrema. Não pode ser tratado como qualquer outro “caso do dia”. As polícias são o sustentáculo mais visível da liberdade ou, para ser mais rigoroso, das diversas liberdades dos cidadãos. A descrença que todos temos na capacidade das nossas polícias pode transformar-se rapidamente em descrença nas liberdades que as polícias deviam proteger.
Com certeza que em Portugal não estamos tão mal como outros. Mas as fraquezas da polícia permanecem, ou crescem, à medida que os governos se sucedem. Abandonou-se o policiamento de proximidade, há zonas das cidades em que a polícia tem medo de actuar, em muitas áreas a polícia é substituída por empresas privadas de segurança (que são uma espécie de milícias populares profissionalizadas), os negócios ilícitos de protecção – as máfias – crescem a olhos vistos, e por aí adiante.
Nada disto foi dito pelo Inspector-geral, talvez porque excederia a sua competência legal. Mas é nisto que os cidadãos pensam quando pensam na incompetência da polícia.
2. O dr. Soares diz que o Governo deve preocupar-se mais com o combate à pobreza e à desigualdade social. Esse problema não pode, aliás, ser desligado do tema das liberdades, uma vez que as sociedades mais desequilibradas na distribuição da riqueza (como o Brasil, por exemplo) são também aquelas em que a actuação policial é mais problemática e as liberdades dos cidadãos menos protegidas. No entanto, não estou certo que aquilo que o dr. Soares entende por combate à pobreza e desigualdade seja aquilo que deve ser feito.
Uma forma de distinguir as políticas de erradicação da pobreza e promoção da igualdade consiste em separar aquilo a que se chama “distribuição” daquilo a que se pode chamar “redistribuição”. São duas coisas muito diferentes.
A redistribuição é a estratégia de combate à desigualdade mais seguida pelo Estado Providência. Ora, já temos disso em abundância. Pense-se em alguns dos subsídios sociais recentemente criados ou reforçados: rendimento mínimo garantido, complemento social de reforma, ajuda à natalidade para famílias de baixos rendimentos. Esta estratégia corresponde mais a um assistencialismo por parte do Estado do que a algo que se possa chamar “justiça social”. Em termos práticos, essa estratégia tem os dias contados face às dificuldades de financiamento do Estado Providência.
A alternativa à redistribuição é a distribuição. A distribuição não é operada pelo aparelho burocrático do Estado Providência, mas pelas próprias regras do jogo económico e social. A distribuição não tem a ver com subsídios concedidos pela segurança social a instituições ou indivíduos concretos, mas com a dispersão da propriedade e do capital social pelo conjunto da sociedade. De uma forma simples, pode-se dizer que o combate à pobreza e à desigualdade pela via distributiva – enquanto distinta da via redistributiva – implica uma sistema fiscal mais enviesado a favor dos mais pobres, o acesso efectivo – não meramente legal – à educação e formação profissional, a abertura das profissões e funções que continuam a ser corporativamente protegidas, uma Inspecção do Trabalho actuante, a existência de regras de mercado verdadeiramente concorrenciais e fortemente anti-monopolistas, e algumas coisas mais.
Se, por mero acaso, fosse isso que o dr. Soares queria dizer quando falou do combate à pobreza e à desigualdade, eu estaria totalmente de acordo. "
João Cardoso Rosas
1 Comments:
Inteiramente de acordo consigo! É isso mesmo. O Estado deve ter uma missão reguladora e fiscalizadora e induzir os cidadãos a prosseguirem uma atitude responsável e consciente das suas responsabilidades. O Estado não tem como função "passar a mão pelo pelo", antes pelo contrário. É preciso coragem e lucidez para dizer as coisas e o senhor demonstra a sua clareza de ideias e certeza de opiniões. Neste momento quem produz e paga impostos está "entalado" entre os ricos oportunistas, empresários prevaricadores que pagam a peso de ouro a contabilistas para fugir aos impostos e os "pobres" que recebem subsídios de toda a espécie (doença, desemprego, reinserção, etc) e que recusam o trabalho que aparece nos centros de emprego porque não lhes interessa. E depois ... há a FP, as greves a rasar o fim de semana, os direitos adquiridos...etc...é um nunca mais acabar! Temos sobretudo que combater a pobreza de espírito que prolifera neste País e ensinar os cidadãos que não devem ser tão egoistas e desonestos!!
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