terça-feira, janeiro 29, 2008

A BOLSA E A VIDA

"Aparentemente, vivemos em tempo emprestado. Em 2008, o mundo que conhecemos já deveria ter terminado há muito. Estava escrito que o petróleo se esgotaria na década de 1930 e o gás natural na de 1990, que a fome generalizada seria inevitável aí por 1975, que a sobrepopulação se tornaria insuportável há trinta, vinte ou dez anos e que as últimas formas de vida terrestre se extinguiriam em 1985, 1997 ou 2019, consoante os gostos. Hoje, o perigo da moda é o aquecimento global, que sem sombra de dúvida condenará o planeta em 2050 ou na quarta-feira que vem (na terça Al Gore tem um almoço e não lhe dá jeito).

O que falta aos profetas da desgraça em capacidade premonitória, sobra em persistência. Mesmo que nenhuma das calamidades aprazadas se tenha verificado, por cada falhanço marcam-se dez novas datas para dez novas calamidades, sob os mais variados pretextos. O pretexto essencial, porém, não muda: "isto" fatalmente acabará por obra da exploração descontrolada da natureza, leia-se da ganância ocidental, leia-se do capitalismo. E quando, nas horas mortas, os peritos não se entretêm a prever o Apocalipse provocado pelo capitalismo, prevêem o Apocalipse do próprio capitalismo. Tradução: se o fim não chega pela abundância demográfica, pela escassez de recursos ou pela destruição do clima, há-de chegar pelas crises da bolsa.

Da bolsa? Além de 1929, e para não recuarmos demasiado, Wall Street entrou em crise "definitiva" em 1973, 1979, 1987, 1991, 1993, 1997, 1999, 2001, 2003 e 2005. Não existe motivo para não entrar em crise em 2008. Principalmente, não existe motivo para que a crise em gestação não seja igualmente "definitiva". Os profetas andam aí, na imprensa e nos blogues, a decretar o derradeiro colapso do sistema, minado, desculpem o jargão, pelas suas contradições internas.

E, sem surpresas, os profetas andam contentes, em proporção directa à grandeza da tragédia que antecipam. Talvez as maçadas do Juízo Final não se comparem com a suprema alegria de ver o capitalismo enterrado. Ou talvez as maçadas constituam, em si, a ambição dessa gente. Bem vistas as coisas, o capitalismo aumenta os padrões de conforto e estende-os a um número crescente de pessoas. Logo, é compreensível que os campeões dos oprimidos não apreciem que lhes roubem público. Questão de concorrência, portanto

Um crítico notou uma redundância: o catastrofismo vigente lembra Marx na exacta medida em que lembra aqueles evangélicos tresloucados, sedentos de um castigo que redima a humanidade por ser, graças ao pérfido capital, relativamente mais rica, relativamente mais evoluída, relativamente mais feliz. Embora, admita-se, não tão feliz quanto os catastrofistas nestes momentos de plena ejaculação apocalíptica e, como de costume, precoce
."

Alberto Gonçalves

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É por causa do aquecimento global que está um frio danado e neva em tudo quanto está acima dos 25 graus norte....

terça-feira, janeiro 29, 2008  

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