O futuro que aí vem
"A deflação é a calamidade económica da moda pelo facto de infligir miséria humana e financeira, e de impôr restrições à política.
O risco de uma deflação global é elevado? Há cinco anos os bancos centrais liderados pela Reserva Federal norte-americana (Fed) assustaram-se e reduziram drasticamente as taxas de juro. Hoje, porém, a Fed está sozinha na luta contra uma possível crise deflacionista. O Banco Central Europeu e o Banco de Inglaterra poderão, eventualmente, vir a fazer o mesmo, mas sabe-se que nenhum deles está disposto a seguir a Fed cegamente.
A deflação é a calamidade económica da moda pelo facto de infligir miséria humana e financeira, e de impôr restrições à política. Se as pessoas estiverem à espera de uma descida dos preços para amanhã vão fazer tudo para não consumir hoje. E se os investidores estiverem à espera de menores retornos é natural que tentem amealhar antes. Este comportamento é também conhecido por “armadilha da liquidez”.
Mas mais do que isso importa perguntar: se não estamos perante um cenário de Grande Depressão, estaremos talvez perante uma Pequena Depressão, como a que afectou o Japão na década de 90? O folclore popular diz que a estagnação que assolou o país na década de 90 se deveu ao rebentamento da bolha dos preços dos activos e a uma política monetária restritiva. Embora os preços ao consumidor tenham caído na segunda metade dos anos 90, o Japão não sofreu uma deflação acentuada, uma vez que os preços anuais desceram menos de 1%.
Mas correrão os EUA risco semelhante? O crescimento norte-americano vai abrandar sempre que a taxa de poupança tiver de aumentar. Este ajustamento é necessário e inevitável num país cujo défice da balança de transacções correntes é perfeitamente insustentável. Não pode ser visto, de modo algum, como uma situação catastrófica. A economia dos EUA, tendo em conta as suas características estruturais, também não pode ser comparada à economia japonesa da década de 90 do século passado e menos ainda com a conjuntura económica dos anos 30. Em suma, o crescimento da produtividade nos EUA é muito superior ao do Japão e ao de grande parte dos países europeus. Mas existe um cenário que pode desencadear uma depressão deflacionista nos EUA em tudo semelhante à Grande Depressão dos anos 30: uma crise financeira em larga escala. E por isto se deve entender uma situação na qual o sector financeiro deixa de cumprir uma das suas funções mais básicas, isto é, assegurar liquidez à economia real. Ora, as baixas taxas de juro actualmente em vigor além de não impedirem este cenário também não servem de conforto à economia, na medida em que não há acesso físico ao crédito.
Na zona euro o cenário de deflação não é plausível por várias razões, entre as quais o facto de a dívida não ter atingido os níveis dos EUA, exceptuando Espanha; de o sector imobiliário não estar à beira do colapso, exceptuando em Espanha e na Irlanda; e de o sector financeiro se encontrar minimamente robusto. Apesar disto, é bom não esquecer que a zona euro integra a economia global, logo, pode sofrer as consequências de fenómenos globais.
O Reino Unido será, talvez, o mais vulnerável devido ao peso que o sector financeiro tem na sua economia, ao excesso de confiança no mercado imobiliário, que está prestes a entrar em deflação, e à crónica baixa produtividade nos sectores não financeiros. Perante isto podemos dizer que estão reunidas as condições para uma recessão grave e prolongada a que se seguirá um longo período de fraco crescimento. Todavia, não creio que se chegue a um cenário de depressão deflacionista global. Mas não teremos todos nós interesse em precavermo-nos, apesar de tudo? O problema é que essa “precaução” não vem sob a forma de “preço”, mas sob a forma de risco adicional, mais concretamente inflação e instabilidade financeira.
No início de Fevereiro, a taxa de rentabilidade das obrigações do tesouro norte-americano a dez anos não ultrapassou os 3,7%, mantendo-se inferior à actual taxa de inflação (ou índice de preços no consumidor) nos EUA.
Se a recessão norte-americana se revelar superficial e curta (cenário pouco provável na minha opinião, mas muito mais provável do que uma crise deflacionista) é provável que a rentabilidade dispare para os 6% ou 7%. Nesse caso, o “preço” a pagar para evitar a deflação poderá muito bem ser uma crise no mercado obrigacionista, no fundo a quinta-essência das crises financeiras. E a subida das taxas de juro subjacente a tal cenário deveria bastar para nos deixar preocupados e apreensivos com o futuro que aí vem. "
Wolfgang Munchau
O risco de uma deflação global é elevado? Há cinco anos os bancos centrais liderados pela Reserva Federal norte-americana (Fed) assustaram-se e reduziram drasticamente as taxas de juro. Hoje, porém, a Fed está sozinha na luta contra uma possível crise deflacionista. O Banco Central Europeu e o Banco de Inglaterra poderão, eventualmente, vir a fazer o mesmo, mas sabe-se que nenhum deles está disposto a seguir a Fed cegamente.
A deflação é a calamidade económica da moda pelo facto de infligir miséria humana e financeira, e de impôr restrições à política. Se as pessoas estiverem à espera de uma descida dos preços para amanhã vão fazer tudo para não consumir hoje. E se os investidores estiverem à espera de menores retornos é natural que tentem amealhar antes. Este comportamento é também conhecido por “armadilha da liquidez”.
Mas mais do que isso importa perguntar: se não estamos perante um cenário de Grande Depressão, estaremos talvez perante uma Pequena Depressão, como a que afectou o Japão na década de 90? O folclore popular diz que a estagnação que assolou o país na década de 90 se deveu ao rebentamento da bolha dos preços dos activos e a uma política monetária restritiva. Embora os preços ao consumidor tenham caído na segunda metade dos anos 90, o Japão não sofreu uma deflação acentuada, uma vez que os preços anuais desceram menos de 1%.
Mas correrão os EUA risco semelhante? O crescimento norte-americano vai abrandar sempre que a taxa de poupança tiver de aumentar. Este ajustamento é necessário e inevitável num país cujo défice da balança de transacções correntes é perfeitamente insustentável. Não pode ser visto, de modo algum, como uma situação catastrófica. A economia dos EUA, tendo em conta as suas características estruturais, também não pode ser comparada à economia japonesa da década de 90 do século passado e menos ainda com a conjuntura económica dos anos 30. Em suma, o crescimento da produtividade nos EUA é muito superior ao do Japão e ao de grande parte dos países europeus. Mas existe um cenário que pode desencadear uma depressão deflacionista nos EUA em tudo semelhante à Grande Depressão dos anos 30: uma crise financeira em larga escala. E por isto se deve entender uma situação na qual o sector financeiro deixa de cumprir uma das suas funções mais básicas, isto é, assegurar liquidez à economia real. Ora, as baixas taxas de juro actualmente em vigor além de não impedirem este cenário também não servem de conforto à economia, na medida em que não há acesso físico ao crédito.
Na zona euro o cenário de deflação não é plausível por várias razões, entre as quais o facto de a dívida não ter atingido os níveis dos EUA, exceptuando Espanha; de o sector imobiliário não estar à beira do colapso, exceptuando em Espanha e na Irlanda; e de o sector financeiro se encontrar minimamente robusto. Apesar disto, é bom não esquecer que a zona euro integra a economia global, logo, pode sofrer as consequências de fenómenos globais.
O Reino Unido será, talvez, o mais vulnerável devido ao peso que o sector financeiro tem na sua economia, ao excesso de confiança no mercado imobiliário, que está prestes a entrar em deflação, e à crónica baixa produtividade nos sectores não financeiros. Perante isto podemos dizer que estão reunidas as condições para uma recessão grave e prolongada a que se seguirá um longo período de fraco crescimento. Todavia, não creio que se chegue a um cenário de depressão deflacionista global. Mas não teremos todos nós interesse em precavermo-nos, apesar de tudo? O problema é que essa “precaução” não vem sob a forma de “preço”, mas sob a forma de risco adicional, mais concretamente inflação e instabilidade financeira.
No início de Fevereiro, a taxa de rentabilidade das obrigações do tesouro norte-americano a dez anos não ultrapassou os 3,7%, mantendo-se inferior à actual taxa de inflação (ou índice de preços no consumidor) nos EUA.
Se a recessão norte-americana se revelar superficial e curta (cenário pouco provável na minha opinião, mas muito mais provável do que uma crise deflacionista) é provável que a rentabilidade dispare para os 6% ou 7%. Nesse caso, o “preço” a pagar para evitar a deflação poderá muito bem ser uma crise no mercado obrigacionista, no fundo a quinta-essência das crises financeiras. E a subida das taxas de juro subjacente a tal cenário deveria bastar para nos deixar preocupados e apreensivos com o futuro que aí vem. "
Wolfgang Munchau
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