O pântano e as águas proibidas

As conversas com o Avô Toupeira são um linimento para a alma, peço desculpa aqui aos humanos se cometo alguma heresia, mas para remediar, direi que a minha será uma alma menor, uma alma das pequenas coisas sem importância.

É que este meu avô é um prodígio em memória e a conversa vai fluindo como o vento lá fora, que hoje está rijo:

Citação de Ovídio, "Amores, "“Nitimur in vetitum semper cupimusque negata; sic interdictis imminet ager aquis” ( lançamo-nos sempre para o proibido e desejamos o que se nos nega; assim o doente aproxima-se das águas proibidas). Nietszche.

Aqui, a tradução pode ser tomada de forma menos abusiva e então o sujeito pode não ser o doente, se entretanto o não considerar ou não se considerar já infectado por tudo o que se pode apanhar neste pântano de ideias e de coisas reais em que nos afundamos e tentamos sobreviver.

Porque de facto os terrenos são perigosos e por vezes não sabemos sequer se os estamos a pisar, de tal forma o perigo, que o será, pelo facto de tudo nos parecer inocente e que de facto podemos dizer tudo, porque decerto não seremos castigados, tal o estado do pântano, mas à cautela, devo avisar, como Toupeira, que os vermes, bichos que muito aprecio, apenas por uma questão de culinária, que só nós toupeiras e outros bichos podemos entender, são muito perigosos quando adquirem forma humana.

Os secularistas evangélicos do politicamente correcto continuam por aí a ditar as suas regras, aproveitando depois para manter o pântano bem cuidado como um pântano deve estar.

Portanto nada acontece, tudo está bem no sítio e números são sempre números, mesmo que o mordomo do cofre forte do sítio se engane vezes de mais, com as mais diversas desculpas, porque um mordomo deve ter a casa do senhor sempre bem administrada e sobretudo manter o emprego.

Os funcionários públicos (estranha palavra… ), são e continuam a ser, os grandes culpados e devem ser mandados para casa a qualquer custo, esquecendo que os senhores das quintas a que se chamam concelhos, continuam a admitir gente, pelas mais diversas formas e conforme o cartão da agremiação a que pertencem, sem olhar a custos, porque não haverá decerto falência e o visto daquilo a que chamavam tribunal de contas foi considerado coisa menor, decerto para evitar constrangimentos e no interesse da matilha.

As empresas do sítio continuam a fechar e o estado do sítio continua no seu rumo a servir, decerto bem, porque o mercado tem de funcionar, a globalização é inexorável e alguns já disseram o que tinham a dizer, podendo comprar para estraçalhar e repartir pelos que se identificam com o seu cheiro; admitindo que o termo estado deve ser escrito com letra minúscula, porque simplesmente deixou de existir há muito.

O vírus da gripe, muito falado, foi esquecido ou está em banho-maria, ou em meio de cultura como convém, o tratamento adquirido parece estar guardado, espero que dentro da validade.

A crise agora é outra, espalhou-se como um vírus, os tratamentos foram com injecções de papel, basta colocar as rotativas a funcionar e produzir papel dinheiro, que não passa de papel. Este papel vai servindo para cobrir as operações, em português de Portugal, da noite para o dia.
Os bancos vão emprestando uns aos outros e as coisas param quando começam a desconfiar uns dos outros.
Como melros, a maior parte das vezes conseguem iludir os que os vigiam, não conseguem é iludir, na hora de pagar.
Como os cucos, colocam os ovos nos ninhos dos outros e como são maiores e comem mais que os irmãos de ocasião, comem tudo e atiram com os pobres diabos ao chão, matando-os de fome ou da queda, e a progenitora emprestada, não dá por nada, tal e qual os mercados desregulados e o capital que não tem pátria, nem rei, nem roque.

Esta pequena história da natureza, acontece vezes sem fim e na minha terra dizem que se devem temperar as azeitonas no dia em que o cuco canta pela primeira vez, no dia do equinócio da Primavera.
O cuco começará a cantar e no caso da doença dos mercados financeiros, depois dos ovos postos, será a vez da economia real ser devastada, por todos estes criminosos, que exportaram e depuseram os ovos, com o beneplácito dos nepotes espalhados pelo mundo, denominados de autoridades reguladoras, da loucura dos mercados desregulados, pagos, por fora, pelas maiores fortunas mundiais, ou sejam cerca de 100 famílias.
O palavreado e as conferências vão continuar, o mercado será louvado, voltar-se-á ao pouco estado, menos estado, ao salário flexível e ao trabalho escolhido pelo número de dentes, como nos mercados antigos de gente arregimentada, à livre circulação de capitais e a um novo Tordesilhas, onde esta pequena península chamada Europa, pertencente ao grande continente da Eurásia, será esquecida, se continuar com os dirigentes vendidos ao poder do capital e da plutocracia mundial.
O meu Avô Toupeira diz que está velho demais para se preocupar com a loucura dos humanos e eu estou a ficar farto e quase tão velho como ele, o melhor é tentar pensar na minha vidinha, porque os humanos estão a ficar com hábitos de animais pouco recomendáveis.

Acabo com uma citação que decerto desagradará a muitos, acerca de Darwin, Mill, Spencer e outros ingleses bem pensantes, mas eu gosto de desagradar:

“…Não esqueçamos, por fim, que os ingleses já causaram, com a sua profunda mediocridade, uma depressão global do espírito europeu: aquilo a que se chama «as ideias modernas» ou as «ideias do século dezoito» ou também as «ideias francesas» - aquilo, pois, contra o que o espírito alemão se insurgiu com profundo nojo -, isso era de origem inglesa, não cabe duvidar. Os franceses apenas foram os macacos imitadores e comediantes destas ideias, também os seus melhores soldados e, também e infelizmente, as suas primeiras e radicais vítimas: pois que com a anglomania condenável das «ideias modernas», a ame française diluiu-se e emagreceu tanto que hoje nos recordamos quase com incredulidade dos seus séculos XVI e XVII, da sua profunda força passional, da sua engenhosa aristocracia. Mas tem que se segurar com ambas as mãos esta afirmação de justiça histórica e defendê-la com unhas e dentes contra o instante e a aparência visível: a noblesse europeia – do sentimento, do gosto, dos costumes, enfim, tomada a palavra no sentido elevado – é obra e invenção da França, a vulgaridade europeia, o plebeísmo das ideias modernas – da Inglaterra.”

Nietzsche Para além do bem e do mal